28.7.22

A Gaffe perde o vício


Todas as raparigas espertas sabem como é fácil tombar perante o charme indiscreto de um sacana que lhes vai, cedo ou tarde, arrancar o coração para o levar à boca, mordendo o que de ingénuo existiu nos seus ventrículos ou o que de ilusório restou nas suas aurículas magoadas.

O patife sedutor é sempre um pesadelo que desejamos ter. Um conflito de interesses entre o coração e a razão. Por norma escolhemos ocultar a segunda para não impedir o primeiro de saborear inconsciente e tonto os frutos envenenados que estão ao seu dispor.
O reconhecimento do patife que queremos que nos seduza, mesmo sabendo que esta sedução é o primeiro passo que é dado em direcção ao nada, é dificultada pela cegueira momentânea que nos atinge, pelo fumo denso do cigarro malandro, pela vontade descontrolada de corrermos riscos e pela atracção que sentimos pela velocidade com que se move a roda que nos vai triturar. Somos como um passageiro passeando lento pela gare onde espera o rotineiro comboio que o levará à terra e que é quase sugado pela deslocação de ar quando por ele passa o TGV. Se não parar a tempo, se não se aperceber do perigo, será catapultado para outras paragens pregado ao focinho do monstro que passa.

Somos aspiradas, sugadas, sorvidas e deixamos que o sopro atraente do Inferno na boca deste homem nos transforme em cinza o coração.

É evidente que nos vamos apercebendo do previsível resultado deste encontro maldito. Adivinhamos a sorte que nos coube em sorte e o consorte que nos deu o fado.
A brasa do cigarro sacana nos lábios do homem que nos vai queimar é quase sempre bem visível no escuro em que se pode tornar a nossa vida. Basta que a vejamos antes da noite e que arranquemos da boca do patife o que lhe resta, transformando o infractor no cinzeiro onde se abandona a cinza do nosso desejo satisfeito.

Ultrapassando o famigerado em casa de ferreiro, espeto de pau e tendo em conta que quem com ferros mata, com ferros morre, para sacana, sacana e meio ou olho por olho, dente por dente ou ainda e já a bastar cá se fazem, cá se pagam, a Gaffe enrola os ditados populares e incendeia a extremidade oposta à que lhe permite a passa, no enganador que foi usado e que agora não é mais do que uma ponta apagada do passado num cinzeiro qualquer já esquecido.