A prima da Gaffe apanhada na situação referida infra
É evidente que há pormenores que a preocupam nestas ocasiões.
Receia que lhe perguntem pela caixa negra, porque sabe que o modelo que guia é de bom gosto, não possuindo apetrechos que violam a privacidade de pessoas de berço. Para além disso, garantiram-lhe que o paralelepípedo colocado ao lado de imenso fios, era a bateria, o que muito a desiludiu. Supera este embaraço, assumindo uma pose de quem está quase a desmaiar de nojo por ter sido incomodada. Resulta, se fixarmos um ponto na nossa frente - convém que seja imóvel, pois de contrário andamos de cá para lá com as órbitas tornando tudo bastante suspeito -, baixarmos os cantos da boca, como D. Linda, Bispo do Porto, a avisar que não quer forrobodó nos seminários, e entregarmos a papelada com a ponta dos dedos, tendo o cuidado de não fornecermos as cópias que usamos para apanhar o cocó do caniche dos comentários anónimos nos blogs.
Tomadas estas precauções, a Gaffe fica deliciada quando um matulão alto e espadaúdo, com um rabo apertado numas calças que devem ser milagre - ou que o fazem pela certa -, a aborda e lhe pede a papelada.
Apesar disso, da última vez que tal ocorreu, não correu bem.
A Gaffe viajava com a prima, uma sósia de Rita Hayworth e a quem se exige a compostura que não teve. A Gaffe de soslaio, para não se afastar muito do ponto que fixava, ficou mesmo assim quase cega pelo brilho dos olhos esbugalhados da mulher que chispavam de cobiça e suspeitou que a baba que começava a escorrer doa boca aberta da prima, não era consequência de AVC, porque a mulher continuava sem nada torto - a maldita!
Compreendeu quando seguiu - uma vez não conta -, a direcção do olhar da petrificada cintilante e quase espetou os Valentino que protegiam o seu mavioso olhar, na piloca do polícia que se tinha erguido - o polícia, não a piloca, embora connosco haja razões de sobra para elevações diversas -, para separar o que lhe interessava do resto dos tickets das compras -, ali na frente, toda desenhadinha no tecido das calças.
Um milagre, uma aparição, nunca é exagero repetir. A Gaffe não entende como D. Linda não ergue uns santuários pela estrada fora. Uma falta de empreendedorismo muito pouco católica.
Este enorme percalço - sublinha-se enorme, para encorpar o tecido do texto -, não invalida o gosto que a Gaffe tem quando é mandada parar por agentes muito pouco informados que cometem deslizes engraçadíssimos que resultam, como é evidente, do desconhecimento da mecânica de uma mulher, e que apenas encontra equivalente na ignorância dos homens das garagens.
- A menina precisa de mudar os calços.
Como se os nossos sapatos tivessem mais de duas semanas.
- A menina qualquer dia fica sem travões!
Como se alguma vez os tivéssemos.
- A menina tem de mudar o óleo.
Como se não usássemos o da Cartier. Que tontos! Tão cómicos!
- A menina tem de ir à revisão.
Enfim. Há também casos de assédio.
O que a Gaffe não entende são os sinais de luzes que avisam os condutores da presença esconsa da polícia nas esquinas da multa.
Vai uma pessoa apressada a enviar SMS ao senhor que segue no carro ao lado e que tem a amabilidade de lhe oferecer umas amostras irrisórias do imenso que traz na mala da viatura, e é encadeada pelo pisca-pisca dos faróis do irresponsável que surge na frente e que não entende que pode provocar um acidente quando o cavalheiro das amostras guina de súbito para inverter direcções.
Vai uma pessoa interessadíssima por suspeitar que, no camião que segue, segue um psicopata assassino com a arma disfarçada de tubo de escape e meia dúzia de porcos a estrumar as bermas espargindo cocó, e surge um pisca-pisca de luzes a obrigar o condutor a manobras doidas que podem perfeitamente fazer disparar os porcos, atingindo-nos com presuntos - toda a gente sabe que os danos que estas situações causam nos nervos dos bichos equivalem aos que ocorrem nos fumeiros.
Vai uma criatura de Moët & Chandon à tiracolo e com uns binóculos invertidos cravados nos olhos, à espera de encontrar D. Sebastião por entre o nevoeiro e os vapores que entretanto se ergueram das garrafas e do hálito, e aparece um pisca-pisca pela frente a destroçar esta valorosa demanda histórica.
Vai uma pessoa de berço a catrapiscar a novíssima obra da Bobone, presa no volante - o livro, a Bobone só emperra na embraiagem -, e apanha com os mínimos do carro da frente a dar-a-dar. Uma afronta, pois que com a Bobone apenas os máximos são justificados.
Vai alguém em paz e sossego com um carrito emprestado a prazo indefinido que coadjuvou um levantamento um bocadinho explosivo no multibanco da aldeia, e é encadeado pelo pisca-pisca alheio que não tem consciência que vai perturbar os sonhos dourados do que agora é obrigado a retroceder, encetando a rota por trilhos menos nobres.
Este vício português - trafulha e patifezinho - de accionar o prevenido pisca-pisca dos faróis quando a polícia está na curva a seguir, sugerindo aos anormais que surgem pela frente a fuga discreta, caso estejam a exercer os seus talentos psicopatas conduzindo anomalias - a Gaffe suspeita que não faz sentido sugerir a fuga a carros dentro das normas estipuladas e a condutores sérios -, leva esta rapariga a congratular-se com a desgraça da amiga que, depois de se ter esbardalhado numa canseira imensa a fazer sinais de luzes ao condutor do camião das mudanças que com ela se cruzou, avisando-o que tinha a polícia logo ali à frente, chegou a casa e percebeu que os seus electrodomésticos tinham deixado de existir. Os arredores inquiridos declararam que não tinham estranhado coisa alguma e que não desconfiaram de nada quando viram uns simpáticos senhores a enfiar uma televisão e um frigorífico num camião de mudanças. Só ficaram chorosos ao perceber que iriam perder uma tão amorosa e tão prestável vizinha.
A Gaffe - pelo sim, pelo não -, mal vê piscar uma luz passa a usar óculos escuros. Disfarçam imenso e impedem que as pessoas maliciosas se apercebam que esta rapariga fica sempre muito atenta ao que a autoridade lhe revela.
O único problema é a baba que teima em tombar, embaraçando-lhe a pose, embora se possa sempre justificar o percalço deslizante com a ocorrência de um AVC provocado pela visão apocalíptica de um ameaçador casse-tête.