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Tony Curanaj |
A Gaffe vive num tempo em que a inteligência é silenciada para que a estupidez não se ofenda.
Voltará quando isso não a incomodar.
Numa noite de temporal a minha namorada viu o que pensávamos ser um pardal morto na nossa varanda. Mal respirava, coberto de formigas e completamente cego.
Abrigamo-lo dentro de uma caixa. Depois de passar uma noite no nosso quarto, acordou-nos com um piar agudo.Tentamos alimentá-lo, mas sem sorte. Aproximamo-lo da nossa varanda. Continuou a piar sem parar, durante três horas.
Finalmente, o pai veio ao encontro deste piar e começou a alimentar o pobrezinho. Trazia-lhe insectos e pão a cada 10-15 minutos durante todo o dia, durante duas semanas seguidas.
O pardal estava a ficar maior a cada dia, mas ainda estava cego. Chamamos um veterinário que experimentou um colírio simples. Funcionou como por encanto! O pardalito até se começou a esconder de nós atrás das flores. O pai começou então a mostrar-lhe como voar pela janela.
Um dia acabou por sair. Sabíamos que esse dia chegaria eventualmente. Ficamos realmente preocupados porque naquela mesma noite, e nos dias que se seguiram, houve tempestade. No entanto, três dias depois, o pardal voltou e adormeceu num dos nossos vasos, ao abrigo das flores.
Brilha tanto, não brilha?!
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G. Haderer |
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Gerhard Haderer |
O certo é que apesar do Vaticano não ter produzido calendários que dessem oportunidade às pessoas de emoldurarem a fotografia do velhíssimo papa emérito pendurando-a depois - ainda vivo - toda dourada na parede do hall, a Gaffe recorda com saudade o impacto visual deste seu querido alemão:
Ratzinger foi um papa injustiçado. A verdade é que tinha cara de quem o merece ser, mas compensava com uma erudição principesca, uma timidez incomum e um bom gosto irrepreensível.
Quando, por muito que pareça o contrário, não tencionamos ou não podemos mexer ou fazer mexer uma palha, convém que o façamos pelo menos a perceber que a diferença entre as normas protocolares - as formalidades do nada fazer -, e um sequestro, é que apesar de tudo podemos sempre tentar negociar com os sequestradores.
As quebras de protocolo do papa Francisco são amorosas e fofinhas. Evita usa aqueles sanitários transparentes em cima do automóvel e dá beijocas aos fiéis - esbardalhando a segurança que se vê grega, mesmo sem Troika, cheias ou incêndios, para o proteger -, não usa os paramentos e os adereços usuais que tanto ajoelharam Armani e Prada e junta-se em amena cavaqueira aos jornalistas a quem se dirige como se os ditos fossem velhos amigos a jogar dominó numa mesinha dos jardins vaticanos, à sombra da passarada chefiada pelo Espírito Santo - que já foi o dono disto tudo.
A ausência de formalidade de Francisco é uma espécie de ingenuidade que acredita que o despojamento e a familiaridade cúmplice o tornam mais próximos do cumprimento da sua missão, mas que se esquece que existem José Rodrigues dos Santos por todo o lado, cheios de vontade de transformar num romance histórico uma frase de tonta coloquialidade ou de paralisar todos os gregos, esses trafulhas e corruptos, que passam pela porta de um Ministro da Defesa, como referiu outrora o citado jornalista.
Ratzinger vivia em latim, o que complicava a vida aos jornalistas que apresentavam dificuldades sérias em experienciar a sua própria gramática, mas que implicava e produzia um distanciamento reverente que é essencial a uma imagem de marca que se quer sagrada, consagrada e capaz de convencer multidões das suas potencialidades e benefícios, mesmo que não possua nenhuns.
Embora acreditemos que se a Gaffe fosse polícia dos narcóticos não deixaria de revistar os ombros do sobretudo de Ratzinger, perfurando-os com um dedo para depois esfregar nos dentes o conteúdo - a Gaffe nunca entendeu como é que esta polícia não anda toda pedrada - a simplicidade franciscana do papa actual não é de todo persuasiva. Nunca se esperou que o Vaticano desatasse a empenhar os anéis para socorrer os pobrezinhos que de gestos simbólicos enchem a despensa desde os primórdios do tempo e não é usando apenas a batina costurada pela irmã Lúcia que Sua Santidade altera vocações, sobretudo a vocação do Vaticano. A Jonet que o diga.
É sempre mais convincente fazer que se faz alguma coisa, deixando tudo como está, se estivermos bem vestidos, diria Maquiavel se tivesse conhecido a Gaffe.
A bonomia e o despojamento de pároco de aldeia do papa Francisco não é, embora pareça paradoxal, sinónimo de aproximação ao povo que pastoreia. Engana apenas os carneiros que acreditam que na pele daquela ovelha não existe qualquer lobo.
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NY, 1958 - Paul Slade |
Durante os próximos dias ruma ao infinito, zarpa para parte incerta, perde-se no horizonte, sem Ipod, sem Iphone, sem Ipad, sem ais de qualquer espécie, levando apenas o seu e atrevidíssimo guarda-roupa de veraneio, os óculos de sol Prada, o protector solar, os dóceis e macios lenços Hermès, azuis tempestade, e a exígua e provocante lingerie que usa para disfarçar a nudez.
Volta logo no início de Setembro com significativas novidades, prometendo respeitar sempre o leitmotiv do blog, ou seja, voltando às inutulidades corriqueiras.