23.6.22

A Gaffe da Laurindinha

Lutgardo Fernandez

A Gaffe leu, algures no tempo, uma entrevista em que Laurinda Alves declara que quando se dirige a Deus, fá-lo - e não falo, é de bom-tom sublinhar -, sempre em inglês, pois que sente que Deus a ouve e a entende melhor nessa língua.

A Gaffe considera que esta afirmação é suicidária. Laurinda Alves deixou de ser credível, pois que toda a gente sabe que Deus é francês - Il n’aime rien, iI est parisien. Não vale a pena ler a senhora se não se nos dirigir na língua de Molière.

A Gaffe é avessa a provincianismo parolos, a preconceitos galheteiros, a racismos bem intencionados, a incompetência emocional e a tudo o que se diz, mas que acaba mal interpretado, sobretudo quando o que se diz é demasiado bem lido e impossível de torcer – a língua não é infinitamente flexível – a de Camões e não a de Laurinda Alves, essa sim, bastante contorcionista.
É uma maçada quando somos apanhados por palavras, expressões ou fragmentos descontextualizados e não era bem aquilo o que se queria dizer.

Quando a Gaffe ouviu sem o mapa todo que Isabel Jonet tinha mencionado os profissionais da pobreza, pensou que a senhora se estava a referir a ela, Jonet profissional.

Existem os profissionais do lixo, os homens do gás ou o senhor do Círculo dos Leitores, porquê renegar a tarefa desempenhada pela querida?!
A Gaffe considerou muito digno Isabel Jonet ter chamado os bois pelo nome.
Depois percebeu, já na posse do cartaz inteiro, que Isabel Jonet falava dos profissionais da pobreza na mesma linha dos que falam das profissionais do sexo.

Faz todo o sentido, embora no último caso, o proxeneta não tenha direito a incensarias.

A Gaffe suspeita que Jonet e Laurinda Alves se uniram no famoso fui mal interpretada.

A senhora vereadora dos Direitos Humanos e Socias da Câmara Municipal de Lisboa - a Sôdona Laurindinha -, impediu a organização do Rock in Rio de avançar com a extensão a pessoas em situação de sem-abrigo do convite a jovens refugiados para participarem no festival.

Porquê?

Porque - a Gaffe vai citar - ficava complicado, nomeadamente porque há situações de consumos e que poderíamos estar a potenciar e há que ter cuidado e preservar muito estas pessoas e protegê-las muito.

Por outro lado - embora a Gaffe tenha decidido encerrar cortinas relativamente a este assunto, pois que provavelmente a senhora vereadora não se apercebeu que também tem de fazer uma forcinha para deslindar o nó -, Laurinda Alves assume que existem encalhados, no Centro de Acolhimento de emergência de Lisboa, 60 jovens refugiados que fugiram da Ucrânia que, não sendo ucranianos, estudavam no país invadido Medicina, Finanças, Gestão, Arquitectura, Design, que ninguém quer por não serem brancos. Chegaram cá e, porque não são brancos, estão lá, ninguém os quer.

A senhora vereadora dos Direitos Humanos e Socias da Câmara Municipal de Lisboa acrescenta que se nós dissermos um marroquino, um argelino, um rapaz que vem da Costa do Marfim, um muçulmano, as pessoas nem sempre sabem como é que hão-de acolher.

Se Laurinda Alves, alapada no pelouro que lhe deram, não consegue deslaçar ainda que de forma baça o evidente racismo pacóvio que vai descobrindo enquanto visita os educadíssimos rapazes, a Gaffe suspeita que a cegueira social avança a galope num cavalo branco por entre as fileiras da Assembleia lisboeta.

No caso que faz a Gaffe aqui marcar presença e que se reporta aos sem-abrigo que ficaram camarariamente excluídos da oferta Rock in Rio, Laurinda Alves revela-se de uma clareza incontornável e indisfarçável.

A forma paternalista, estereotipada, estigmatizante e desprezível com que a vereadora trata os sem-abrigo - aparentemente todos alcoólicos e toxicodependentes e em consequência sem direito a qualquer tipo de cultura, não vá a consumirem na arena - para além de lhes continuar a minar a vida, é de um preconceituoso e provincianismo azeiteiros que os crava sem apelo nem agravo às ruas da mais destrutiva das solidões e misérias.

Felizmente que a sôdona vereadora tem muito cuidado com a língua em que se expressa.