Sérgio Martinez |
De forma a aproveitarmos a presença breve da minha prima por terras lusas, fomos as três muito unidas rumo à confeitaria/leitaria Quinta do Paço onde uma pequena esplanadita nos faculta uns éclairs recheados - chantilly ou chocolate - de morrer ali todas diabéticas.
As duas mulheres desprevenidas atiram-se à doçaria, farejando todas as pistas, transformando-se em índias Cheroqueques, muito felizes.
A perfeição da minha irmã recusou o allure, porque tinha um objectivo único. Já que ali estava - e suspeito que estávamos ali por isso - tinha marcado encontro com o arquitecto italiano que a substituirá durante uns dias. Queria que o homem visse in loco uns detalhes nos edifícios em frente. Os pormenores estudados seriam reproduzidos aquando da recuperação de um mamarracho qualquer, algures de onde o homem veio.
Vimos o rapaz chegar de sorriso aberto.
Muito agradável à vista desarmada, em excelente forma física, moreno e luminoso, de olhos pretos e negra madeixa ao vento, o descontraído rapaz trazia vestida uma t-shirt arrepiada, um casaco desleixado de linho e umas calças de malha que são um cruzamento entre um fato de treino e umas ceroulas, mas que parecem ser consideradas um must pelos musculados concorrentes do Big Brother guna – ouvi na Ribeira e não sei o que significa, mas acho que fica bem aqui - e pelos artistas mais boémios que citam Sartre e entendem Miró até ao âmago - o que une extremos consideráveis.
Apercebemo-nos, talvez devido à luz da tarde que esmorcia devagar, que havia qualquer coisa estranha no andar do moço, mas, como se diz no velho Douro, nem fun nem fanforreira partilhamos, guardando cada uma a estranheza no mais íntimo da alma.
Vimos o rapaz chegar de sorriso aberto.
Muito agradável à vista desarmada, em excelente forma física, moreno e luminoso, de olhos pretos e negra madeixa ao vento, o descontraído rapaz trazia vestida uma t-shirt arrepiada, um casaco desleixado de linho e umas calças de malha que são um cruzamento entre um fato de treino e umas ceroulas, mas que parecem ser consideradas um must pelos musculados concorrentes do Big Brother guna – ouvi na Ribeira e não sei o que significa, mas acho que fica bem aqui - e pelos artistas mais boémios que citam Sartre e entendem Miró até ao âmago - o que une extremos consideráveis.
Apercebemo-nos, talvez devido à luz da tarde que esmorcia devagar, que havia qualquer coisa estranha no andar do moço, mas, como se diz no velho Douro, nem fun nem fanforreira partilhamos, guardando cada uma a estranheza no mais íntimo da alma.
A minha irmã levanta-se, o homem sorri-nos – ciao! - e desatam os dois a apontar as pedras e as varandas, com a anfitriã a rabiscar explicativos riscos no bloco que tinha tirado da carteira.
As duas índias Cheroqueques, sentadas, quietas, caladas como ratas, de éclair parado e perplexo, tinham avistado a razão da anomalia no andar do homem.
As calças largas de malha fina tinham-se colado, tinham-se grudado, à pila do moço.
Aquilo ou era electricidade estática ou então tinha chovido na véspera e encharcado uma anaconda. Contornos, desenhos, protuberâncias, trilhos, volumes, escavações, bossas, saliências e arredores, tudo ali mesmo à mão de semear tempestades e colher a ventania que deve aquilo fazer ao abanar.
Se tivesse aparecido nu da cinta para baixo, seria mais discreto, valha-nos Deus!
O homem pousava o peso na perna esquerda e a piloca acompanhava toda elegante o movimento, o homem pousava o peso na perna direita e o monstro lá estava, pronto para se aninhar noutras paragens.
Olhei de soslaio para a minha prima.
A rapariga estava com o nariz franzido, com os cantos da boca repuxados e os olhos transformados em frestas orvalhadas por onde se escapava um riso contido. O queixo termia um bocadinho, mas nada que indicasse epilepsia.
Bastava que o meu joelho tocasse o dela, avisando que também testemunhava os movimentos de Loch Ness, para termos foguetório.
A minha irmã pousou o bloco na mesa e desembainhou as armas brancas dos olhos. Percebemos que bastava um nosso inocente e simples risinho parvo e totó para sermos atingidas na jugular pela lapiseira encharcada em cicuta.
Quietinhas. Caladinhas. A tentar não nos esbardalharmos, nem fazer ruir os edifícios.
A minha prima olhava para os transeuntes, evitando cruzar manigâncias comigo e com o que oscilava ali na frente. Ouviam-se uns ruídos surdos que soltava pelo nariz, acompanhados por esquivos e ligeiros solavancos nos ombros e no peito. Eu, muitíssimo mais controlada nestas ocasiões - é nestas e nos terramotos. Foi ver-me no de 1755! -, procurava encontrar forma de lhe causar a perdição completa.
Aquilo ou era electricidade estática ou então tinha chovido na véspera e encharcado uma anaconda. Contornos, desenhos, protuberâncias, trilhos, volumes, escavações, bossas, saliências e arredores, tudo ali mesmo à mão de semear tempestades e colher a ventania que deve aquilo fazer ao abanar.
Se tivesse aparecido nu da cinta para baixo, seria mais discreto, valha-nos Deus!
O homem pousava o peso na perna esquerda e a piloca acompanhava toda elegante o movimento, o homem pousava o peso na perna direita e o monstro lá estava, pronto para se aninhar noutras paragens.
Olhei de soslaio para a minha prima.
A rapariga estava com o nariz franzido, com os cantos da boca repuxados e os olhos transformados em frestas orvalhadas por onde se escapava um riso contido. O queixo termia um bocadinho, mas nada que indicasse epilepsia.
Bastava que o meu joelho tocasse o dela, avisando que também testemunhava os movimentos de Loch Ness, para termos foguetório.
A minha irmã pousou o bloco na mesa e desembainhou as armas brancas dos olhos. Percebemos que bastava um nosso inocente e simples risinho parvo e totó para sermos atingidas na jugular pela lapiseira encharcada em cicuta.
Quietinhas. Caladinhas. A tentar não nos esbardalharmos, nem fazer ruir os edifícios.
A minha prima olhava para os transeuntes, evitando cruzar manigâncias comigo e com o que oscilava ali na frente. Ouviam-se uns ruídos surdos que soltava pelo nariz, acompanhados por esquivos e ligeiros solavancos nos ombros e no peito. Eu, muitíssimo mais controlada nestas ocasiões - é nestas e nos terramotos. Foi ver-me no de 1755! -, procurava encontrar forma de lhe causar a perdição completa.
Peguei no bloco e escrevi:
O homem não traz cuecas!!!
Estendi o bloco e a lapiseira. A minha prima leu e com os queixos a tremer, com as maminhas a saltar e os ombros a abanar, conseguiu os riscos:
Ou traz o fio dental ao contrário.
Voltei à carga:
Não é italiano. Está a mentir.
A minha prima ficou curiosa. Beberricou o chá e mordeu o éclair numa pontinha, para acalmar, franziu as sobrancelhas e já muito séria inquiriu - com os olhos, porque qualquer palavra dita, por imbecil que fosse e a ano-luz de ter piada, provocaria o descalabro.
É de Mirandela. Traz o fumeiro dentro das calças.
Desastre absoluto. É bastante primário associar uma piloca aos fumados, defumados e enchidos. Nunca resulta em grande demosntração de originalidade ou perspicácia.
A mulher esbardalha-se sem dó nem piedade e até pelo nariz. O chá disparado num borrifo imenso atinge a prima Cheroqueque que fica com o cabelo como se tivesse atravessado o furacão Maria e sofrido em seguida uma tempestade tropical, pois que até das pestanas pingava.
Já nada nos trava. Depois de chorar desalmadamente, ensopando as gargalhadas, e depois de sentir o ar a fugir, o riso abrandou.
Olhamos as duas para a morte que se perfilava.
A minha irmã tinha na mão o bloco e tentava salvar e limpar os gatafunhos. Tinha lido as nossas angelicais considerações.
Havia explicações a dar.
Vira-se devagar para o homem atónito e sussurra com um perfeito sotaque spaghettiano.
- Questionaram a tua nacionalidade. Uma tolice, já que trazes a Torre de Pisa enfiada na porcaria das calças.
Apesar de, pela primeira vez, a minha irmã ter conseguido ser brejeira - há inesperados que abanam pesados no meio das mais sólidas convicções -, estas duas primas Cheroqueques vão morrer em breve, quiçá abrasadas pelo rubor incandescente que assolou o pobre do rapaz, quiçá vítimas de facas embebidas em curare, atiradas pela grande sacerdotisa - cuja mira é falaciosa -, quiçá sacrificadas em rituais tribais onde são trespassadas por alheiras do tamanho de anacondas.
A minha prima admite que a última hipótese é a que prefere.
É de Mirandela. Traz o fumeiro dentro das calças.
Desastre absoluto. É bastante primário associar uma piloca aos fumados, defumados e enchidos. Nunca resulta em grande demosntração de originalidade ou perspicácia.
A mulher esbardalha-se sem dó nem piedade e até pelo nariz. O chá disparado num borrifo imenso atinge a prima Cheroqueque que fica com o cabelo como se tivesse atravessado o furacão Maria e sofrido em seguida uma tempestade tropical, pois que até das pestanas pingava.
Já nada nos trava. Depois de chorar desalmadamente, ensopando as gargalhadas, e depois de sentir o ar a fugir, o riso abrandou.
Olhamos as duas para a morte que se perfilava.
A minha irmã tinha na mão o bloco e tentava salvar e limpar os gatafunhos. Tinha lido as nossas angelicais considerações.
Havia explicações a dar.
Vira-se devagar para o homem atónito e sussurra com um perfeito sotaque spaghettiano.
- Questionaram a tua nacionalidade. Uma tolice, já que trazes a Torre de Pisa enfiada na porcaria das calças.
Apesar de, pela primeira vez, a minha irmã ter conseguido ser brejeira - há inesperados que abanam pesados no meio das mais sólidas convicções -, estas duas primas Cheroqueques vão morrer em breve, quiçá abrasadas pelo rubor incandescente que assolou o pobre do rapaz, quiçá vítimas de facas embebidas em curare, atiradas pela grande sacerdotisa - cuja mira é falaciosa -, quiçá sacrificadas em rituais tribais onde são trespassadas por alheiras do tamanho de anacondas.
A minha prima admite que a última hipótese é a que prefere.