5.1.22

A Gaffe com a mãe


A fragilidade da minha mãe, a sua quase imaterialidade, foi transformada numa elegância reservada, quase tímida, discreta e tranquila.

É uma elegância que não surpreende. É esperada, visível no primeiro assomo, inevitável como um facto. Uma evidência construída pelos gestos leves, brandos, de uma serenidade possivelmente submissa, mas que nos faz sentir num abrigo com sombras de lilases.
O labor da minha avó teve neste caso um parco sucesso. A minha mãe não é impositiva, não tem nas mãos as capacidades de um líder e o seu modo de se mover, pacífico e quase demasiado silencioso, impedem que domine e controle a alcateia imensa que à sua volta ronda.
Às vezes, no jardim, sentada a ler - Hemingway que não condiz com ela -, num sossego brando e quieto, o ar fica envolvido de espuma e de perfume e dir-se-ia ao vê-la assim etérea, transparente, que a imponderabilidade a tomou por sua. Mesmo quando vira a página do livro nenhuma flor estremece.

Dizem à toa que a beleza salta uma geração. Se a avó é formosa, a filha não o será, herdando a neta as características perdidas entretanto.

Aqui a beleza estabilizou. Tornava-se fácil, enquanto havia a possibilidade de as ver juntas, perceber que possuíam, as três, perfis aristocratas que lhes forneciam um lance quase enigmático, essencial à elaboração de uma imagem que invade a memória dos outros. Todas de olhos claros, de uma transparência que se foi perdendo à medida que o tempo carregava o verde azeitona e atenuava os lanhos de cinza. Todas brancas e loiras, embora a minha irmã tenha abrandado a alvura por ter dado primazia ao tom de pele do meu pai. Altas e magras, como hastes, caules de uma qualquer flor estranha que oscila sem quebras, não por força do vento, mas por desejo de terra e céu ao mesmo tempo.

É curioso perceber que se tão unidas pelos traços físicos, apenas os extremos se tocaram no modo como lidam com a vida. A minha mãe, no meio, é o esvoaçar do silêncio de um pássaro por entre as margens da vertigem deste rio.