Qistina Khalidah |
Sempre considerei que uma mulher que luta pela igualdade entre géneros, é uma mulher sem ambição.
Nunca foi minha intenção ser igual aos homens. Jamais foi meu plano equiparar-me ao senhor que na minha frente bate com os joelhos na barriga quando cruza as pernas, de rabo alapado na poltrona dos poderes. Não quero a igualdade apregoada pelas caricaturas do feminismo que grassam nas redes sociais, que se cruzam comigo nas ruas e me conspurcam o sossego límpido da minha pacatez segura pelos ferros do que quero e pela certeza de que o machismo - e mesmo a misoginia - é apenas mais uma ferramenta de trabalho que nos é entregue e que pode servir os intentos das mulheres bem melhor que um panfleto feminista de pacotilha.
Sou indiscutivelmente uma mulher. Quero ser mimada,
apaparicada, protegida da chuva, levada ao colo para atravessar a lama, receber
gigantescos ramos de flores no amanhecer de um pequeno-almoço de lençóis de
linho, ser considerada frágil demais para mudar um pneu que suja imenso as
minhas mãos angelicais, ter asas que despertam a Poesia e - entre o mais
que me cansa descrever - ser defendida das bestas por um musculado gigante bem
barbudo. Não quero que se descartem estas obrigações masculinas em nome de uma
igualdade de pantomima. Não quero sentir as obrigações, os deveres e as regras
instituídas que fazem a tradição do macho/cavalheiro, esbatidas ou diluídas,
porque sou mulher e logo igual e imediatamente tratada como se tivesse uma pila
no cérebro antoniodamasiano.
Não quero.
Quero, isso sim, que os meus direitos solidifiquem. Poderão
eventualmente distar daqueles que a mulher do quinto esquerdo decidiu que
seriam os dela, mas convém que os dela recebam igual deferência e reverência.
Quero - à laia de exemplo -, ter o direito de usar o véu
islâmico no centro dos que sabem em Paris, apenas porque me fica bem ou porque
me converti; quero que a senhora do andar de cima use saias terríveis e
apertadas sem que lhe digam que sabia para onde ia quando
foi atingida pelo escarro das palavras do troglodita da esquina; quero levar
para a cama todos os amantes que desejar sem me sentir, através dos outros,
maldita, mal dita e culpabilizada; quero ser virgem o tempo que quiser, quando
e enquanto assim o decidir; quero mover-me sem peias nas decisões que deslocam
montanhas, sem que os ratos paridos o sejam por mim; quero ser livre sem que me
aborreçam com a treta da liberdade que acaba quando começa outra, como se existissem liberdades à toa capazes de anulação mútua.
Não quero ser igual aos homens. Não quero ter os mesmos
direitos. É um tédio. É limitado. É circunscrito. A falta de ambição levada ao
extremo.
Quero ter os meus direitos. Se os adquirir e preservar, com certeza que contribuo para a preservação e solidificação dos alheios.
É evidente que encontro abrolhos.
A beleza de uma mulher e o poder que adquire - sobretudo o simbólico -, são demasiadas vezes engulhos que contradizem e negam de modo ínvio os direitos que reivindica - e estes direitos são sempre subjectivos, metamorfoseando-se e amadurecendo de modo diferente em cada uma de nós -, e é quase circense, de uma mediocridade quase trágica, apercebermo-nos que são demasiadas vezes outras mulheres que negam e boicotam a Mulher e lhe arrimam a primeira pedra, embora seja polido e eivado de moral e bons costumes esconder a mão.
Os casos que vão surgindo e que nos informam da miríade de
atentados, assédios, violações e estupros cometidos por machos - hollywoodescos ou não -, sobre
mulheres belíssimas e detentoras de um capital simbólico significativo, são
subvalorizados, porque - li eu, escrito por mulheres - uma grande parte das
ofendidas sabia para onde ia. As vítimas destes crimes
são assim prostitutas - e a prostituição é sempre uma violação consentida -,
pois que apenas as prostitutas sabem para onde vão quando
permitem uma violação em troca oportunista seja do que for. A beleza, o talento
e o poder feminino são desta forma usados para incriminar e produzir sentenças que
rastejam disfarçadas de bom senso, lógica e evidência, aos pés de um qualquer acórdão
coadjuvado por um qualque juiz mumificado da Relação do Porto.
Implica este silogismo torpe que apenas as mulheres feias, miseráveis, pobrezinhas, órfãs da sorte e marcadas pela fatalidade e fado maldito, são vítimas reais - as que vivem nos antípodas são oportunistas que sabiam para onde iam - e dignas de se fazer ouvir, mesmo que a queixa seja apresentada séculos depois do crime cometido, como se o tempo, o espaço, a circunstância, o medo, a culpa, a vergonha, a sobrevivência - a multidão de razões dramáticas que induzem o silêncio quase eternizado -, não fossem as mordaças de todas as mulheres sofridas e violentadas.
Talvez seja por isto que, não querendo ser igual aos homens, também não queira ser igual a um demasiado vasto grupo de mulheres.
Escolho ser um sedutor ramo de flores nos braços de um homem, garantindo que no meio delas há sempre uma carnívora.