7.1.22

A Gaffe não chora em português

Henri Cartier-Bresson

Por amor chora-se demais.

Pertence à mulher a maior parte das lágrimas. O homem transcende o mito, manifestando, ao contrário do dito, a sua virilidade quando se afasta da censura que o mantém longe das lágrimas e causa o espanto cantado por Piaf - ... Mais vous pleurez, Milord?! ça je l'aurais jamais cru!

É abertamente permitido ao feminino o choro de amor e chora-se sempre pela partida e pela ausência - a traição, o ciúme, a não reciprocidade ou outras razões que quisermos aliar ao choro desta natureza, são sempre metamorfoses do abandono. A mulher, sobretudo a portuguesa, foi sempre a sedentária que ouviu dizer às velhas da praia que ele não voltava. O mar, a guerra e a emigração - que é, em última análise e forçando a metáfora, uma mistura dos dois - sempre forneceu versos ao Fado, que é maioritariamente uma história de abandono de uma mulher que chora a partida ou a ausência do homem que ama - tornando-se por isso o reverso do Tango, em que é sempre o homem a lamentar a perda da mulher amada.

Choramos copiosamente, desfazemo-nos em lágrimas, rompemos em lágrimas, chegam-nos a lágrimas aos olhos, choramos todas as lágrimas do corpo, soltamos um fio de lágrimas, ficamos de olhos marejados. Choramos de formas diferentes para públicos diferentes. O choro é também um enviesamento que vai submeter o outro à sua própria sensibilidade, solidariedade ou indiferença. Todas as lágrimas são mais do que palavras, mas acabam por salgar uma exposição quase chantagista impressa no vê o que me fizeram! Vê o que fizeram de mim! Chorar exige destinatário.

O choro solitário, o chorar para nós, por amor, torna-nos de forma subtil espectadores do nosso sofrimento. Choramos então porque acreditamos – ou para acreditar - que as dores que sentimos não são ilusórias. Oferecemo-nos um interlocutor de excelência e provamos através do corpo que ultrapassamos a palavra que traduz a possível fantasia. Cumprimos as ordens do corpo apaixonado e permitimo-nos chorar. Em nenhuma língua somos capazes de exprimir o que uma lágrima traduz. Se não somos capazes de o dizer, entregamos a voz ao que está para além da linguagem.

Se uma imagem vale mais que mil palavras, a lágrima é a imagem de todas as palavras que quisermos.

É só fazer as contas.



A Gaffe das lágrimas
03/11/2015


Às vezes a Dor é um punho na garganta que rasga e nos arranca os órgãos. Transbordamos, porque nada sobra a não ser água na esvaída carcaça que ficou.

As lágrimas são a nossa mais ínfima ligação ao mar.

O choro das mulheres faz-me sentir criança que se perde na tarde de uma praia plena de um Agosto de guarda-sóis que escondem o retorno, mas é o choro dos homens que me faz parar na inquietude de me ver chorar ou na memória de um choro que foi meu.

Olho um homem a chorar e sei-o do esvair, da água em vez da alma.

Os homens choram ossos.

Ou talvez não. Talvez seja verdade e um homem não chore. Talvez seja um deus que se desfaz.