13.10.22

A Gaffe dos sem-abrigo

Timothy J. Lamb

A voz giríssima da vereadora dos Direitos Humanos e Sociais da Câmara de Lisboa, Laurinda Alves, clama, revoltada de luvas brancas, perante a inexistência de marchas de sem-abrigos.

A Gaffe não pode estar mais de acordo com a iniciativa proposta pela querida que reconhece a necessidade de se exibir gente pobre, de gente a viver na rua e todas essas pessoas desagradáveis, e congratula-se por haver finalmente alguém que esfrega na nossa falta de visão aquilo que é óbvio.

No entanto, A Gaffe compreende que não se consiga organizar uma marcha e um piquenique em condições quando nos viramos para os sem-abrigo.

Porquê?

Porque não se consegue convocar os sem-abrigo porque essa gente não tem endereço.

Como é possível termos ignorado uma evidência destas?!

A Gaffe tem de concordar que um pobrezinho que não consegue indicar uma morada para onde se possa enviar, quer uma convocatória, quer mesmo um pequeno apoio, impede que sejamos solidários ou até mesmo compreensivos. Possuir pelo menos uma casiita - e não se exige que seja a Herdade da Comporta - é condição necessária para que até o Banco de Portugal se torne um amigalhaço e se consiga organizar manifestações e marchas da miséria, com o alto patrocínio do Presidente da República.

Depois, não tendo residência, o pobrezinho não tem net.
As nossas convocatórias – tal como as nossas contribuições solidárias, as nossas transferências bancárias -, não podem ser efectuadas através do e-mail ou da Caixa Directa e, valha-nos Deus, não nos peçam também para ir desaforadas pela rua fora, ou esperar na fila aos balcões de um banco qualquer. É sempre uma perda de tempo e uma confusão com as cardenetas que estão sempre ensebadas, desmagnetizadas, ou que pura e simplesmente não existem, assim como é uma consumição fazermo-nos entender por uma criatura que se cobre com papelões até às orelhas.

A ausência ainda mais gravosa de um endereço electrónico não permite que os sem-abrigo comuniquem às organizações de solidariedade social e aos organismos do Estado as suas carências. Não sabemos nunca se lhes falta um edredão, um talher, um balde para gelo, uma cortina ou - o que sabemos nós?! – papel higiénico, tendo em conta que apesar de tudo os pobres também comem.

Que fique claro que os sem-abrigo não nos ajudam muito.

Apesar destes contratempos, a Gaffe acredita que a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves, não vai desistir de apoiar os pobrezinhos. Aproveita e publicita a sua iniciativa.

A Gaffe acredita que, depois da marcha dos sem-abrigo pelo Eduardo VII, se torne público o sonho de se organizar uma quermesse no Marquês que angariará - trá-lá-rá-la-lá - fundos para construir um bairro social para os sem-abrigo. Agradecemos desde já as contribuições da população, referindo que qualquer coisa que se tenha esquecido no sótão pode ser doada. São sempre uns euros que revertem para a causa.

A Gaffe vai mesmo oferecer o seu velho e querido portátil que já não usa, porque não respeita o Acordo Ortográfico e esta rapariga gosta de cumprir a Lei, mas – que lhe perdoem -, vai entregá-lo directamente a um pobrezinho. Não simpatiza com intermediários que ficam com os louros todos.