14.10.22

A Gaffe e uma carta aberta a um pássaro


Ontem choveu nos vidros duplos da janela. Uma chuva com saudade e sem gargantas.

Ontem a minha avó abraçou-me. Encostou-me a cabeça ao ombro dela. Senti-lhe os dedos frios no cabelo e um alfinete em forma de pássaro a magoar-me a cara.

Ontem sonhei e a minha avó abraçou-me. Ou talvez não tenha sido ontem ou talvez nem sequer tenha chovido, mas o pássaro de olhos de pérola a voar-lhe sobre a clavícula continua na minha cara a magoar-me, a mim, que sou o pássaro de olhos sem pérolas preso por um alfinete aos tecidos dos casacos.

Na minha cara e na clavícula dela. Eu e o pássaro, presos pela chuva sem garganta e um alfinete que não vejo, a reter as migrações das aves.
Em mim, onde não chove nunca uma voz presa.

Et je suis comme un oiseau mort quand toi tu dors.