8.11.22

A Gaffe encharcada

Andrzej Mazur - Borderline - 2020
A chuva encharca o perfume das terras. Transforma-o em baloiços largos, soltos, como uma dança de mulheres entristecidas.
Ontem choveu. Ainda existem pequenos charcos nas fendas largas das pedras.
O anjo do lago assustou as carpas que se esconderam da sua eternidade a escorregar para o dorso da água picada pelas bátegas.
Nada mais existiu a não ser a mobilidade de nuvens desfeitas que se enrolaram no vento.

Hoje a chuva volta a bater nos vidros das janelas. Parecem dedos, a chuva e os cinzentos a azular quando se torna longe.
A alameda tomba de pena ou de ternura. O silêncio tem a voz da chuva a desabar.
Se nos sentarmos direitos - a chuva exige a verticalidade dos corpos, mesmo daqueles que se sentam -, de mãos fechadas, uma sobre a outra, na cadeira que colocamos perto da janela e olharmos com muita atenção o caminho por onde se define o azul longínquo, logo atrás da chuva, vemos florir as gotas de água a esbater os contornos da tristeza.

Isto, claro, se não chover também nos nossos olhos.

Os sons da chuva entram pelo impossível laqueado das janelas.
Atravessam os vidros, as minhas pálpebras e entram no interior dos meus olhos. Sons visíveis.
Lembram flores. Flores que se abrem num espaço que dura apenas o tempo de assomo do meu espanto à janela.

Daqui vejo as árvores. Parecem mimos. Mudas. A gesticular em modos de afogado.

Descubro que por entre as minhas janelas intransponíveis há intercepções de águas de línguas diferentes e é neste maravilhar que me emudece que pouso as minhas mãos e lavo os olhos.

Sílaba a sílaba, pálpebra a pálpebra. Chove no minúsculo coração das gotas de asa.
Sílaba a sílaba, pálpebra a pálpebra, chove na terra sem cavalos e sem juncos.
Chove e durmo no minúsculo coração das uvas.
Nos meus lábios há o voo raso do pássaro das águas. Nos meus dedos a nuvem que começa presa no coração de gota de asa.
A luz de linho antigo desfaz o nó das sombras sob as árvores e no coração estrídulo de um pássaro.

Chove e adormeço.