Pedir desculpa é, há muitíssimo tempo, considerado um acto nobre.
A ponte cai matando uma quantidade de gente absurda, o
ministro demite-se pedindo desculpa. Um acto de grande nobreza. O país
incendeia-se e queima gente, o ministro não se demite e o governo não pede
desculpa. Uma falta de nobreza. O Presidente da República apresenta
condolências e pede desculpa. Tão nobre. Uma bactéria mata nos hospitais, o
ministro pede desculpa. Nobremente. A igreja gosta de meninos mais do que devia, os papas pedem desculpa. Aristocrático!
O acto de se pedir desculpa chega com gola de arminho e
manto de veludo escarlate. Traz o ceptro da grandeza de carácter numa das mãos
e os brasões da elevação de alma na outra. Exige-se o desfilar compassado e
grandiloquente do corpo da desculpa pelos corredores das nossas vidinhas.
Deslumbrados pela nobreza exibida, aclamamos e reverenciamos o brasonado como
capaz deste acto que parece exclusivo do gentil-homem e que lhe revela o cume
de um carácter de Evereste e uma alma fidalga.
Pedir desculpa é sempre a revelação de uma falha. O
reconhecimento de um erro e a assunção da vergonha de ter sido cometido e de
sermos responsáveis pelo facto. Nada há de aristocrata - nem de plebeu -, numa
atitude que deve ser comum a todas as gentes - a todas as classes, mesmo as
definidas pela Idade Média e que, digam o que disserem, perduram ainda.
A atribuição de um carácter nobre a um pedido de desculpa é
tão imbecil como o apaziguar da indignação popular quando os grandes
infractores assomam à varanda do palácio e confrangidos acenam com os lenços
choramingas das desculpas. Se os grandes vigaristas deste mundo abanarem na
frente dos olhos dos lesados a alegada nobreza de um pedido de perdão, serão
por norma julgados com uma condescendência bem maior do que aquela que é
concedida aos inocentes apanhados pelo ladrilhar da trafulhice.
Pedir desculpa não engrandece, nem diminui. É um acto
inseparável da condição humana. Existe, porque existimos e porque existimos,
pensamos - e porque pensamos logo somos, diria o velho sábio se pudesse.
Após a admissão do erro, logo se verá.
Posto isto, a Gaffe apresenta-vos três maravilhosos remadores olímpicos do tempo em que pedir desculpa era obrigação tida como ordinária por quem cometia um deslize desagradável, ou por quem borrava a pintura - pardon my french -, e
avisa-vos, meninas, que apesar de não ter grande talento para as línguas, a
primeira desavergonhada que se meter à sua frente desculpando-se por ter de referir a qualidade dos remos dos atletas, apanha com um dicionário na
nuca.
A Gaffe pede depois desculpa.
É uma aristocrata.