O serão era bem mais pândego quando, no aconchego do lar, passávamos em revista as peripécias que protagonizava e que iam desde as sapatadas de Melania na manápula do homem, ao empurrão no senhor de gravata em riste que se via de repente ultrapassado e impingido para um segundo plano da fotografia, até se chegar ao maravilhoso covfefe que se foi tornando um clássico da imbecilidade. Pelo caminho o rasto de tolice a raiar a imaturidade patológica era visível a olho nu e a gargalhada solta.
Olhávamos Trump com uma certa complacência, como uma espécie de sábios observadores da arena da idiotice, pois que nos divertia em simultâneo nos elevava, porque aquele que é imbecil e age como tal, deixa-nos na boca um certo travo de superioridade intelectual, fazendo parecer que pertencemos àquela elite culta e democrática capaz de denunciar e ridicularizar o que por si já é ridículo, de mostrar ao mundo o que jamais se faz numa Democracia e que é maravilhoso compreender as implicações do Acordo de Paris.
Neste arraial de foguetes mal lançados, as ínvias e mais perigosas - porque não noticiadas - alterações à legislação americana, eram vomitadas em surdina por uma administração composta por sinistros, bem preparados - maldosos, gananciosos, implacáveis, racistas, silenciosos e tudo o que se quiser que tudo serve -, magnatas da desumanidade. Não eram notícia. Não consubstanciavam alertas. Não mereciam o rodapé das televisões. Não nos diziam respeito. Não eram susceptíveis de nos fazer rir. Não nos faziam sentir mais inteligentes, mais diplomatas, mais honestos, mais cultos, mais bonitos, mais respeitáveis, mais humanos - e tudo o que se quiser que sabe bem -, que aquele homem, na altura o mais poderoso do planeta.
A comunicação social viciou-se nos pequenos truques e malabarismos, nos minúsculos incidentes patetas, nas manigâncias tolas de um egocêntrico cravado num tweet, apostada em nos fazer ver a tragicomédia em que se tinha tornado um país que fez vencedor um irresponsável mal preparado, populista, homofóbico, preconceituoso, misógino, com tiques de ditador de circo e tudo o que se quiser que Trump alinha.
A comunicação social é ainda largamente responsável por este amortecer do conhecimento daquilo que os manipuladores dos espantalhos vão urdindo pela calada da noite, à luz do dia. Prefere noticiar os solavancos e as torções que os fios manipulados vão imprimindo ao corpo do boneco, enquanto os donos do títere vão devorando o milho.
Há um jornalismo de plástico que asfixia a comunicação, transformando-a numa espécie de circuito de circo. Uma espécie de feira onde se exibem domadores de aberrações lutando por protagonismo ou gesticulando de modo a se fazerem notar.
O jornalismo, uma grande parte dele, tornou-se exibicionista. A notícia é uma selfie do repórter ao lado do acidente ou macaquice mostrada como de importância capital.
Obtemos o breve e o tolo, como se o breve e o tolo, o nada, o fait-diver, fossem suficientes e esclarecedores.
Foi este jornalismo de plástico que promoveu, por exemplo, a dolorosa exposição da outrora primeira-dama e que apenas provou que não vale a pena casar por alguns tostões. Embora sejam o aborrecimento e o dinheiro que mais casamentos fazem depois do amor, não é de todo aconselhada a via das finanças. Pedir emprestado sai sempre mais barato. Provou em simultâneo que as mulheres possuem uma vantagem sobre os homens: se não conseguem uma coisa sendo íntegras, conseguem-na sendo tolas.
Mas foi injusto chibatar a senhora apenas porque percebeu que se tinha a possibilidade de viajar em primeira não podia permitir que outra o fizesse, e foi altamente penalizador esmagar-lhe a eventual distinção por não parecer acompanhada por alguns neurónios. Melania Trump possui uma espécie menor de elegância - a forçada. É uma mulher elegante à força. Desde que se mantenha calada, sem se mover muito, de perninhas juntas e mãos cruzadas, disfarça a total ausência de carisma e de charme - característica essencial à elegância genuína - e é palerma rasgar-lhe o maravilhoso D&G que usou para pedir ao Papa que lhe benzesse o terço.
Melania não causou, nem causa dano. Não sabe. É bonita e basta.
Depois disto, é assustador pensar que quando olharmos finalmente para o campo, depois da passarada que somos ter deixado de ter medo do espantalho tolo e aparentemente derrubado, reste apenas um ninho de corvos, a terra espetada pelos bicos que a sorvem e o provável regresso da imbecilidade e da boçalidade psicopatas ao poder.