2.8.23

A Gaffe equilibrada


Uma rapariga esperta depressa verifica que um grande número de verbos que são usados quando falamos de amor são os mesmo que povoam a guerra. Cercar, conquistar, fugir, entregar, render, morrer, roubar, ceder, cair, perder, vencer, são disso exemplo.
Esta proximidade, que também atinge os adjectivos, entre o que é bélico e o que deverá ser o seu contrário, é bem ilustrada pelo ancestral duo Eros e Thanatos, Amor e Morte intrinsecamente ligados para toda a eternidade.
O contacto entre estes dois universos, o do amor e o do ódio, não se limita a um conjunto lexical ou mitológico. A mistura é muito mais subtil e atinge o coração dos dois estados, tornando possível encontrar as sombras naquilo que deveria apenas conter a luz e a luminosidade no fundo de um poço.

A Literatura e a narrativa mitológica - sobretudo estas duas - fornecem exemplos fascinantes - Otelo assassina a amada apenas porque o amor lhe injectou o ciúme nas veias e Perséfone volta ciclicamente para o odiado raptor, desenvolvendo o que se poderia chamar, com alguma leviandade, síndrome de Estocolmo, mas o mais corriqueiro do quotidiano está pejado desta aliança inevitável.

Não existe apenas uma limpidez idealizada e angélica, uma cristalina água a correr sobre o sentir mais claro, assim como não há unicamente o charco pútrido no sentimento mais horrendo.

Amor e ódio são como uma pulseira. Se a fecharmos em redor do punho, teremos as extremidades unidas e acabaremos por deixar de saber com nitidez qual das duas possui o mosquetão.

Não são opostos, o amor e o ódio. Suspeito que nem sequer são sentires separados ou distintos. Fazem parte de uma mesma entidade, de uma mesma emoção, de um sentimento único, de uma mesma moeda. Equilibram-se ou desequilibram-se as faces, mas nunca se aniquilam e, não sendo passíveis de separar, porque enformam um corpo único, não podem ser contrários.

Daí que tenham um oposto comum: a indiferença.