4.7.24

A Gaffe por iluminar


George Steiner
é indiscutivelmente um dos maiores pensadores do planeta e é também - e não menos importante -, um dos meus ídolos.
Numa palestra longínqua, contou uma lenda, porque gosta de lendas e porque desejava clarear o seu raciocínio - já tão claro! -, com uma analogia simples que procurava ilustrar o seu labirinto aberto com palavras.

Num palácio com duzentas janelas, todas as noites o príncipe ordenava que uma vela se acendesse em cada uma. Dessa forma, a sua princesa deixaria de ter medo da noite no jardim por onde deambulava à procura da lua coberta por véus de névoa escura. Bastaria à sua princesa a certeza das duzentas janelas que velavam o seu vaguear. Pelas noites dos tempos, nas janelas do palácio uma vela ardia.
Em todas, menos numa.
Das duzentas janelas do palácio, uma ficava por iluminar. A primeira vela a ser acesa extinguia-se enquanto o camareiro se ocupava da última. Era essa precisa janela o medo da princesa.

Não sei - erro meu e má fortuna -, a razão exacta que levou Steiner a referir a lenda, mas a grandeza do sábio permite que humildemente arraste para o meu minúsculo nada o que com certeza tem dimensões não mensuráveis.

De todas as janelas nocturnas que avisto - ainda que brandamente clareadas -, que seguram e afastam os meus medos, a única que conta é a que se apaga e por muito que tente iluminar duzentas, haverá sempre aquela que se extingue no momento em que acredito ter a brilhar a última que fará a noite dos que adoro se transformar em dia.

Glasgow, Escócia, 1955 - autor desconhecido