Não somos luas.
Segundo dizem os que percebem mais de marés e menos de marinheiros - porque os há menos - existe um lado escuro em cada um de nós que nunca é vislumbrado e que por vezes é desconhecido até da própria lua que o suporta.
Assustava-se reconhecer que, na luminosidade prateada que atrai poetas e marés, havia um esconso e sombrio lado nunca reflectido.
Sei agora, no entanto, que a lua persiste na sua placidez pálida e na sua órbita subserviente e que não somos comparáveis à sua esférica claridade, nem nos reflectimos como círculo de brilho branco nos mares planos de Verão.
Não temos lados ocultos. Não temos negrura densa e impenetrável adversa a uma clareza impoluta. Não somos peças surreais de dominós circulares.
Somos vidros lapidados, enevoados, sujos e translúcidos, sem a grandeza do reflexo atractivo nas marés e sem a linha que divide o que em nós não deixa de ser uno.
Somos apenas baços.
Imagem - Jeff Stanford