24.8.24

A Gaffe embrulhada


Sem photoshop, sem estudos imparáveis de luz, sem cuidados acrescidos dispensados por batalhões de aderecistas, cabeleireiros, maquilhadores e outras manigâncias essenciais, o que seria do produto que as gigantescas máquinas de publicidade tentam fazer acreditar que é condição imprescindível para a construção da beleza e apanágio da sedução?

Se a atracção animalesca de David Gandy ou se o corpo musculado e definido de Ronaldo - escoado o eterno saloio que tem dentro - dessem lugar à banalidade prosaica do homem da rua, a patética ilusão de que, usando o que eles usam, qualquer rapaz fica a ganhar milhões por temporada ou temporadas de milhões de raparigas ou, caso se trate de moça desatenta, que basta oferecer Armani ao parceiro para partilhar o capital do craque ou enlouquecer com o charme do modelo tombado nu na cama que é só dela, deixaria de surtir o efeito motivador do desejo consumista.


O homem da rua, banal, quotidiano, de barriguinha a despontar e de ameaças de roliços corpos sem ginásio, não é a embalagem com que o marketing inventa a próxima paixão saciada apenas na despesa.

Fabricam-se urgências, ambições, falhas, frustrações, aspirações, cobiças, ilusões, sonhos e lacunas nas vidas dos que passariam bem sem eles, mas que perante o fabricado não resistem a acreditar no que lhes é mostrado e que a felicidade depende daquilo que possuem e que se oferece em troca da compra das cuecas.
O bom uso das embalagens - e neste caso os vocábulos adquirem desvios interessantes -, faz com que, quem as não tem, passe a acreditar que basta possuir o perfeito laço das caixinhas para que o mundo se deslumbre aos nossos pés e que, se não satisfizermos o despertado desejo que constroem, o resto que em nós fica é a humilhação de nos sentirmos iguais aos que connosco se cruzam pelos dias.