Quando era muito, muito pequenina, tinha medo do escuro.
Mal se apagavam as luzes, depois do beijinho da praxe dos meus pais, ouvia os monstros subterrâneos que eclodiam rasgando e arrasando o soalho.
Imaginava então que habitava uma nave espacial sobrecarregada de luz. Era uma menina alienígena que vinha envolta em claridade, não pousar numa oliveira - já nessa altura achava deselegante -, mas aniquilar com feixes de luz os mostrengos ameaçadores.
Entretanto cresci.
Abrandou significativamente o medo que tinha das trevas ao mesmo tempo que evoluiu a minha importância dentro da nave. Aos dezoito anos, era já uma Imperatriz capaz de fazer corar de inveja qualquer produção de George Lucas, mas com um problema digno dele: era a soberana de um planeta em vias de extinção. O cromossoma Y tinha sido afectado de modo irreversível por uma epidemia qualquer, provocando um surto demográfico anómalo e uma carência de machos no Império que governava, obrigando-me a ordenar a procura de planetas onde o Y ainda se mantivesse em condições e fosse compatível com a espécie em risco. A Terra preenchia estas exigências e o maldito Freud tem, de certeza, uma explicação para este desvio planetário.
Hoje, vendo o que me é dado, mudava sem hesitar o destino da nave, mesmo correndo o risco de transformar o Império no paraíso de Safo.
O modo como fazia a selecção do macho terráqueo, assim como a forma de extracção e inoculação do cromossoma desejado, era do outro mundo - é fácil de prever. Abstenho-me de o referir, porque já causei desgostos suficientes à minha família.
A verdade é que, mesmo antes da ameaça de exterminação, sempre me preocupou o facto de nunca ter acertado na fatiota que deveria usar nestas andanças intergalácticas.
Até que a Vogue me fez ver a luz que se reflecte na carteira incómoda, mas resplandecente de glamour, e na gargantilha com um ligeiro sabor a Vaticano gay. Nada poderia servir tão bem a uma imperatriz com problemas de índole cientificamente sexual como o que é proposto pela imagem e se condenamos a extrema magreza do modelo, tenhamos também a honestidade de reconhecer que sem o Y toda a mulher passa fome.