27.9.24

A Gaffe alienígena


Quando era muito, muito pequenina, tinha medo do escuro.

Mal se apagavam as luzes, depois do beijinho da praxe dos meus pais, ouvia os monstros subterrâneos que eclodiam rasgando e arrasando o soalho.

Imaginava então que habitava uma nave espacial sobrecarregada de luz. Era uma menina alienígena que vinha envolta em claridade, não pousar numa oliveira  - já nessa altura achava deselegante -, mas aniquilar com feixes de luz os mostrengos ameaçadores.

Entretanto cresci.

Abrandou significativamente o medo que tinha das trevas ao mesmo tempo que evoluiu a minha importância dentro da nave. Aos dezoito anos, era já uma Imperatriz capaz de fazer corar de inveja qualquer produção de George Lucas, mas com um problema digno dele: era a soberana de um planeta em vias de extinção. O cromossoma Y tinha sido afectado de modo irreversível por uma epidemia qualquer, provocando um surto demográfico anómalo e uma carência de machos no Império que governava, obrigando-me a ordenar a procura de planetas onde o Y ainda se mantivesse em condições e fosse compatível com a espécie em risco. A Terra preenchia estas exigências e o maldito Freud tem, de certeza, uma explicação para este desvio planetário.

Hoje, vendo o que me é dado, mudava sem hesitar o destino da nave, mesmo correndo o risco de transformar o Império no paraíso de Safo.

O modo como fazia a selecção do macho terráqueo, assim como a forma de extracção e inoculação do cromossoma desejado, era do outro mundo - é fácil de prever. Abstenho-me de o referir, porque já causei desgostos suficientes à minha família.

A verdade é que, mesmo antes da ameaça de exterminação, sempre me preocupou o facto de nunca ter acertado na fatiota que deveria usar nestas andanças intergalácticas.

Até que a Vogue me fez ver a luz que se reflecte na carteira incómoda, mas resplandecente de glamour, e na gargantilha com um ligeiro sabor a Vaticano gay. Nada poderia servir tão bem a uma imperatriz com problemas de índole cientificamente sexual como o que é proposto pela imagem e se condenamos a extrema magreza do modelo, tenhamos também a honestidade de reconhecer que sem o Y toda a mulher passa fome.