18.9.24

A Gaffe viajante


A minha avó marca a folha do livro com um postal ilustrado antes de o fechar e erguer os olhos.

Abre depois a cigarrilha em prata. O fumo do cigarro esparso, no aposento.

A minha avó sorri e segue com os olhos a estrada cinza ténue que se esfuma.

- Minha querida, se decidiste partir, tens de saber que nenhuma estrada te vai levar para lá de ti. Não viajamos nunca. Ausentamo-nos.

Há lágrimas nos olhos da minha avó.

O fumo. Ah!, o fumo.

Partir é apenas uma ilusão que fica. Acreditamos sempre na viagem, mas o que resta em nós é a ausência sentida nossa no lugar que fica. Não viajamos, minha querida, a não ser por dentro.

O fumo, avó! O fumo.

- Não saímos nunca dos lugares onde fomos amados.

Do livro fechado, um postal que tomba. A página perdida.

Paris, anos 40.

Na foto - Lee Miller - Paris, 1944