Chego vinte minutos antes da hora marcada. Procuro lugar para estacionar e quando o encontro encaixo o carro ao som de Gene Kelly.
Chove desalmadamente. No vidro as gotas parecem gordura transparente ou vermes rápidos demais em fuga vítrea.
A minha irmã surgirá dentro de instantes. Saída do cabeleireiro, de trench-coat preto de couro e saia travada, gigantesca carteira onde chocalham universos improváveis e ar de Hepbrun com sabor a Tiffany. Vejo-a misturada com sinais.
Que me aproxime! Que dê a volta e a agarre, metálico cavaleiro a roncar à chuva.
Aceno-lhe. Não consigo dar a volta ali. Basta atravessar, correndo ou a voar usando as abas do casaco.
Recua. Entra no salão e dali sai com um guarda-chuva verde. Uns passos a tentar abrir o monstro, protegida ainda pelas caleiras. Não abre! Volta atrás e sai de novo. Na mão agora um guarda-chuva azul, minúsculo e encolhido, dos que dobram as varas e a paciência do que da guerra sairá molhado. Luta outra vez e mais uma vez vencida, volta de novo atrás já irritada. Sai com um mostrengo preto, guarda-sol, toldo de festa vip-carpideira.
Agora vai! Agora tem de ser.
Espera pelo verde do semáforo e quando surge a luz no alto do poleiro, dá um passo em frente e com a força e o vigor de uma valquíria empurra o trinco do cabo do colosso de modo a que ele mostre a copa agigantada.
Surpresa!
Eis o desastre.
Eis o desastre.
O monstro abriu com um ruído ainda por molhar.
No meio da Avenida a minha irmã parada, estarrecida. Segura uma bengala grossa erguida a prumo e tenta em desespero soltar-se das varetas e varetas, mais varetas, mais varetas e pano a adejar rasgado e preto, esburacado, roto, espatifado.
- Uma palavra tua, uma que seja e faço de ti boneca de voodoo. As varetas já tenho.
Arranco no som já encharcado de Gene Kelly.
Basta um aguaceiro para entregar magia negra a uma sílfide.