15.10.24

A Gaffe dos amantes


A rapariga procura aconchegar-se no ombro dele, sentados na esplanada friorenta, enquanto ele folheia sem interesse um livro.
O rapaz sente-lhe o perfume do cabelo e a textura suave do casaco que a protege das breves rajadas de vento.

Amam-se quando o silêncio é suportado a dois sem sobressaltos.

São duas criaturas estranhas aos olhos de quem passa. Estão, como se procurassem encontrar ali o que lhes fugiu da alma sem lhes ter deixado a consciência de existir de tão fugaz e fugidio. Andam pelas ruas como os pássaros que pousam indiferentes nas abas dos canais, nos troncos corroídos das marés ou nos lanhos de luz abertos nas vielas. Passam como perfume nas linhas desenhadas pelo que fica. Depois de passarem, fica a moribunda esperança de colheremos aquilo que não chega a ser matéria de alma por ser mais indizível, ainda mais raro, intoleravelmente mais difuso.

Na esplanada, ele folheia um livro enquanto ela repousa no seu ombro.