3.10.24

A Gaffe no evento


Realizou-se, por aqui perto, uma espécie de dinamização cultural toda moderna.

Não a podemos confundir com uma acção de produção cultural. É louvável e acredito que evoluirá de forma considerável, expandindo o seu alcance, libertando-se, se caso for esse o seu objectivo, da habitual feirinha de artesanato urbano, banal em qualquer estação e apeadeiro de inícios do Outono.

Há, no entanto, uma condição comum a um dinamizador cultural e a um produtor de cultura. Ambas as situações terão de obedecer a um parâmetro implícito na própria definição, noção ou em qualquer conceito de Cultura que seleccionemos. Se o que se realizou reivindica um destes estatutos e se pretende afirmar como elemento activo na projecção e enriquecimento de uma determinada comunidade, por muito restrita que seja, terá sempre de orientar as suas acções sob a alçada de um denominador comum: o respeito pelo outro.

A capacidade daquilo que foi dinamizado por um grupo de jovens de alterar, tornando mais dinâmica e evolutiva a pacatez possivelmente exagerada de determinada rua, provocando ou apenas possibilitando uma faceta lúdica até aqui inactiva, obrigando-a, dentro das limitações compreensíveis, a ouvir, ver e sentir o que até ao momento ignorava ou esquecia, quebra-se e torna-se medíocre e estreita, quando este objectivo se confunde com uma demonstração de irresponsabilidade cultural, consequência dos actos de desrespeito pelo outro, consubstanciados no abandono desleixado e porco de final de festa adolescente que ignora por completo que um indivíduo pode ser até completamente indiferente ao que se passa no local onde habita - isto sou eu, dizem eles, - não perdendo por isso o direito a ser respeitado, a emitir opinião ou a reivindicar sossego, civismo, silêncio e a não ser insultado com uma data imensa de lixo que não foi recolhido pelos catraios que o produziram.

A dinamização cultural, esta e qualquer outra, tem obrigação de se preocupar com a porcaria que larga no fim da sua actividade, incorrendo, se não o fizer, naquela espécie de iniciativas que visam apenas fazer sorrir a sobranceria muito pouco cultural dos miúdos que se divertem numa ilusão de cultura e que acreditam, de forma enganadoramente ousada e bastante adolescente, que trazem ao povo o Santo Graal, entregando as consequências menos dignas ou nocivas desta iluminação a outras entidades.

Não há, em nenhuma circunstância, qualquer justificação para o desrespeito. Dinamizar determinado espaço não iliba o actor da acção de cuidar da pegada que fica posteriormente ao acto.

O lixo abandonado no final desta treta com sabor a hippie é, sem sombra de dúvida, o menosprezo por aqueles que, em princípio, são os destinatários deste mesmo evento e torna uma atitude cultural numa medíocre demonstração de uma espécie de estreita consciência cívica, de eufórico caos adolescente que, em nome de uma pretensa dinamização cultural, escondem um deleite egoísta e exibicionista que incorre no erro de se considerar ilibado das responsabilidades geradas pelas suas manifestações.

O lixo, desconsideração, desatenção, desdém e desprezo que ficam depois do palco encerrar, apodrece mesmo em cima deste tipo de iniciativa.

Resumindo:

Todo este lixo me faz apetecer desatar à estalada a qualquer coisa que dinamize desta forma seja o que for.