4.10.24

A Gaffe criticada


Acabo de viver uma experiência que jamais sonhei poder vivenciar!

Os meus primeiros quinze minutos da manhã são passados num pequeno e agradável café, com imensa gente sossegada espalhada pelas mesas ainda sonolentas. Leio as notícias e consulto a minha agenda, atrasando o acordar.
Normalmente as mesas estão todas ocupadas e há pouco espaço, mas é um lugarzinho acolhedor e muito pouco ruidoso apesar disso.
A única mesa disponível era a que se encontra quase colada à minha. Um par de belíssimas velhotas simpáticas e matinais tinha-a desocupado depois de ter beberricado um chá e mordiscado uma torrada.

O jovem casal entrou e sentou-se. Ficaram de costas para mim. Ele, um yuppie vagamente ultrapassado, de fato apertado, azul nocturno, gravata regimental e sapatos bicudos. Ela, loiríssima, a arrastar a asa para o platinado, bonita, barulhenta. A proximidade fez com que visse o monitor do rectângulo digital preso nas unhas nacaradas da rapariga. Tocava no ecrã com a perícia de um indicador treinado e de mindinho erguido.

Foi inevitável ver o que o que ela via.

A Gaffe e as Avenidas ocupava o ecrã e o dedo atentíssimo da menina.

Os brincos, dois mochos de pechisbeque, baloiçavam escandalizados perante a desfaçatez que era lida e a irritação provocada pelos posts ruivos disparou no momento da cotovelada nos rins do rapazinho.

- Não entendo como gostas desta tipa!

O homem encolheu os ombros, olhou de soslaio as Avenidas que a companheira de infortúnio percorria e sem qualquer entusiasmo espalhou na mesa:

 - Não gosto. Acho piada.

- O que ela precisa sei eu. – Roncou a candidata a platinada.

- Se calhar é do que tu tens a mais – insinua o yuppie mal disposto, afagando a testa com os dedos.

Atrás deles, à distância de um voltar de cabeça, está a tipa que merece o desdém irritado daquela mulher e que desperta um vago interesse no homem que não morre de amor pelo que lê. Perdi-me por completo a saborear a delícia extraordinária de me sentir olhada sem que o observador desse disso conta. Experimentei, naquele instante, o sabor que a Gaffe tem e dei conta da possibilidade que, embora irrelevante e muito ténue, um blogue tonto tem de irritar projectos de platinadas que sabem, com a certeza que é construída pela experiência, que aquilo que preciso é o que esbanjam à toa e em todo o lado e de provocar um qualquer sorriso pouco empático num homem de sapatos bicudos, vítima dos dispersos exageros que a companheira pensa que me faltam.

Foi uma delícia sentir a Gaffe manuseada por estranhos.

Nota - Aproveito a oportunidade, pois decerto me lerá, para lhe sugerir, minha cara, que troque de brincos. Os mochos de pechisbeque abanavam demasiado e ameaçavam soltar-se do poleiro e a si, querido leitor que me acha piada, devo aconselhar o abandono definitivo das peúgas camufladas em tons de verde tropa.

Gaffe - 04/10/2022