Acabo de viver uma experiência que jamais sonhei poder
vivenciar!
Os meus primeiros quinze minutos da manhã são passados num
pequeno e agradável café, com imensa gente sossegada espalhada pelas mesas
ainda sonolentas. Leio as notícias e consulto a minha agenda, atrasando o
acordar.
Normalmente as mesas estão todas ocupadas e há pouco espaço,
mas é um lugarzinho acolhedor e muito pouco ruidoso apesar disso.
A única mesa disponível era a que se encontra quase colada à
minha. Um par de belíssimas velhotas simpáticas e matinais tinha-a desocupado
depois de ter beberricado um chá e mordiscado uma torrada.
O jovem casal entrou e sentou-se. Ficaram de costas para
mim. Ele, um yuppie vagamente ultrapassado, de fato apertado, azul
nocturno, gravata regimental e sapatos bicudos. Ela, loiríssima, a arrastar a
asa para o platinado, bonita, barulhenta. A proximidade fez com que visse o monitor do rectângulo
digital preso nas unhas nacaradas da rapariga. Tocava no ecrã com a perícia de
um indicador treinado e de mindinho erguido.
Foi inevitável ver o que o que ela via.
A Gaffe e as Avenidas ocupava o ecrã e o dedo
atentíssimo da menina.
Os brincos, dois mochos de pechisbeque, baloiçavam
escandalizados perante a desfaçatez que era lida e a irritação provocada pelos
posts ruivos disparou no momento da cotovelada nos rins do rapazinho.
- Não entendo como gostas desta tipa!
O homem encolheu os ombros, olhou de soslaio as Avenidas que
a companheira de infortúnio percorria e sem qualquer entusiasmo espalhou na
mesa:
- Não gosto. Acho piada.
- O que ela precisa sei eu. – Roncou a candidata a
platinada.
- Se calhar é do que tu tens a mais – insinua o yuppie mal
disposto, afagando a testa com os dedos.
Atrás deles, à distância de um voltar de cabeça, está
a tipa que merece o desdém irritado daquela mulher e que desperta um
vago interesse no homem que não morre de amor pelo que lê. Perdi-me por
completo a saborear a delícia extraordinária de me sentir olhada sem que o
observador desse disso conta. Experimentei, naquele instante, o sabor que a
Gaffe tem e dei conta da possibilidade que, embora irrelevante e muito ténue,
um blogue tonto tem de irritar projectos de platinadas que sabem, com a certeza
que é construída pela experiência, que aquilo que preciso é o que esbanjam à
toa e em todo o lado e de provocar um qualquer sorriso pouco empático num homem
de sapatos bicudos, vítima dos dispersos exageros que a companheira pensa que
me faltam.
Foi uma delícia sentir a Gaffe manuseada por estranhos.
Nota - Aproveito a oportunidade, pois decerto me
lerá, para lhe sugerir, minha cara, que troque de brincos. Os mochos de pechisbeque
abanavam demasiado e ameaçavam soltar-se do poleiro e a si, querido leitor que
me acha piada, devo aconselhar o abandono definitivo das peúgas camufladas em
tons de verde tropa.
Gaffe - 04/10/2022