O meu tio-avô, franciscano, antiquíssimo, teólogo, filósofo, Provincial da Ordem durante décadas e um dos grandes latinistas da Península, dizia que o conhecimento etimológico de uma palavra era essencial a quem a quisesse usar de forma certa. Sem esse saber, podemos rasgar as frases que quisermos, mas escapa-se-nos demasiadas vezes a nobreza do escrito e o sentido mais profundo daquilo que urge dizer.
Fica provado por estas avenidas que não prestei atenção ao sábio encanecido.
Recordo que uma das suas palavras favoritas tinha como iniciáticas raízes cum panis que desaguou companheiro, ou seja, aquele com quem dividimos o pão.
É evidente que as cãs deste sábio não tiveram origem no trabalho minucioso de partilhar o pão nas redes sociais. Aqui, a mesa é sustentada por likes e a intimidade de cada um é servida em travessas de posts, não a companheiros, mas a amigos.
O interior, ou que em nós é interno, extravasa como se algures houvesse uma fissura por onde escorre o que nem sempre é aquilo que queremos, ou apenas aquilo que decidimos deixar que se saiba. Existe uma componente exibicionista neste derramar do íntimo, neste inundar do externo a nós pelo que em nós devia permanecer, que – digam o que disserem -, não é sempre eficazmente controlada e neste encharcar do externo pelo que é nosso, até mesmo a dor - mesmo aquela que exige o maior silêncio - é capaz de penacho e de lantejoula e de abrir o desfile arrastando figurantes e cartazes numa sucessão de comentários e de imojis.
Somos demasiado selfies para segurar o narcisismo da exibição e nesse irreversível destapar, nesta atracção pelo nude, acabamos com centenas de amigos indiferentes ao étimo das palavras, desde que consigam chapinhar na mesa líquida que vamos compondo até que se perceba que afinal somos a única criatura que ficou sem pão.
Só temos água.