Esta é apenas a imagem que considero mais sugestiva para recomendar um livro extraordinário.
A Confissão da Leoa de Mia Couto está assente numa história real - as sucessivas mortes de pessoas provocadas por ataques de leões numa remota região do norte de Moçambique - mas rapidamente se transforma na paisagem severa e extrema onde não há polícia, não há governo, e mesmo Deus só há às vezes e onde se percebe que a brutalidade, a guerra, a fome e a superstição, nos ferem de modo igualmente fatal.
Através de dois narradores, Kulumani e Gustavo Baleiro, o caçador contratado para matar os assassinos, acabamos como Mariamar, a fabulosa figura feminina do romance, a reconhecer que foi a vida que a desumanizou. Tanto a trataram como um bicho que você se pensou um animal.
É uma obra de frustração e terror omnipresente que ultrapassa de imediato os limites da narrativa medonha da caçada, fazendo trespassar toda a história pelo Medo mais subterrâneo, mais insidioso, mais desleal e doloso, comum à Humanidade. Não se circunscreve ao pavor que surge da hipótese de novo ataque dos felinos, mas alastra sanguinariamente, invadindo a alma de cada figura construída no romance e retalhando a sua capacidade de resposta.
O sangue na boca das feras pode acabar por ser o mesmo que tinge as mãos dos homens.