A Senhora que escreve livros em folhas sem margens, com letra cerrada sem espaço para erros, pede a mantilha de caxemira de um azul nocturno. Debruça-a nos ombros.
A vaidade é vantagem que lhe amansa as rugas.
A Senhora dos aforismos veste-se de escuro.
A Senhora que escreve romances na velha cozinha, perto do jardim, olha para as árvores medonhas de frio. Olha pela janela para dentro das árvores e o jardim inteiro dentro da cozinha à espera das letras que a velha Senhora que olha o jardim se esqueceu lá fora.
A Senhora que escreve romances não risca palavras. Reproduz as frases com outras diferentes em novos papéis cerrados, sem margens, sem espaço para mais.
A velha Senhora não risca palavras. Falta-lhe a coragem para as abolir e por isso um erro, uma escolha falsa, um som que destoa, fica por tocar, a pairar nas árvores que ficam lá fora.
A velha Senhora escreve romances nas folhas das árvores que crescem nos olhos sem fim com que da janela vê uivar o tempo.
O tempo que cresce dentro das janelas, perto de palavras que tem para cuidar.
Agustina. Meu amor amargo, meu amor coberto por mantilha.
Meu amor guarida. Meu amor casulo. Mau amor de malmequer que bem me quer. Meu amor de sol coberto escuro e saturado de palavras. Meu amor infindo.
Ouvem-se cães a uivar por toda a casa.
Os sons da casa são os cães a uivar.