6.10.22

A Gaffe iraniana

(Deus guarde um dos mais extraordinárioGrandes Senhores, por saber homenagear os bravos.)


Há quem nasça sem alma. Pode não ser grave. Pode ser pior. Podemos nascer com lábio leporino ou com problemas de visão. É mais inestético.

Mas há quem nasça a pertencer a uma elite de monstros que não se consegue projectar nos outros. Não reconhece a vítima e, em consequência, não assume nunca esse papel. Não se consegue rever na dor que provoca. Não sente nunca as vítimas que faz. É um papel que não decorou. Esta incapacidade produz assassinos em série, violadores, carrascos, torturadores e, no melhor dos casos, homens que passam pela vida com a indiferença dos mortos.

Predadores que esperam, invocando razões desgarradas para cometer as atrocidades com que saciam a urgência de sentirem o que quer que seja através do terror dos outros.

Esta ausência ou esta mutilação de empatia atinge também civilizações e culturas e acaba por criar aglomerados de razões que se apercebem em uníssono, um bater de palmas cadenciado que assimila de imediato aquele que começa a fazer estalar as mãos. O tempo faz com que se acredite na unicidade dos conceitos criados e na imperiosa necessidade de os alastrar.

A Liberdade é grega. É portanto uma pré-adolescente no percurso vivido pela História e, como todas as raparigas que entram depressa nesse dia aberto, tem por vezes a arrogância, a teimosia, os egoísmos, as birras, a cegueira, a inflexibilidade e todas as certezas do mundo que é seu, refeito em si, com o impulso do seu jogo e dos seus dados e que acredita ser o globo certo. Tem também a ousadia, a seiva da coragem e todas as outras vantagens do crescer, mas não é de claridade que se fala.

As elites adquirem por vezes a característica dos que nascem sem alma. Deixam de sentir a diferença, de reconhecer e assumir o papel do outro que não identificam e de perceber que apenas o Pensamento é capaz de se tornar a raiz da Liberdade, de a tornar tronco, folha e fruto e que a única forma de a cuidarmos é semeando asas, invólucros do Saber e do Conhecer.

É que a liberdade que queremos para os outros, igual àquela que sentimos apanágio da alma, intrínseca a nós, inviolável e intemporal, não pega de estaca.

Talvez com isto se comprove a existência de homens que são uns tansos.

Não abdico desta norma que me chega de um saber feito de experiência e comprovada pela observação científica do pateta que tenho ao lado que acaba de afirmar, cheio de convicção, que se todas as mulheres fossem sexualmente menos agressivas, ninguém precisava de lhes enfiar nem burka, nem hijab.

Não imagina o pobre como é eficaz um ataque sexual desferido por uma rapariga esperta embrulhada e coberta, por exemplo, por uma toga romana com abertura dificultada pelas mil dobras aveludadas do tecido.

A burka e o hijad são apenas lanhos, chagas, agressões. De sexuais têm somente o olhar dos tansos.