Entranhada em superficialidade, encharcada em futilidade, embebida em inutilidade, a Gaffe pousa um preclaro pé - calçado com dois ordenados de um professor português -, no granito da sua saudosa Avenida portuense. Sempre que o mar se avistar da sua janela, a Gaffe afastará cortinas digitais e afogará saudades espalhando palavras no allure tonto deste lugar abandonado.
A Gaffe chega diferente.
Distante dos amigos - um amigo de uma mulher é sempre um maçador amante visto de perfil - e certa de que a sua única amiga fiel em toda a viagem, é a sua carteira Louis Vuitton, a Gaffe faz esvoaçar o seu novíssimo penteado que permite que as labaredas dos caracóis atinjam as copas da liberdade ruiva controlada apenas pela mão esguia da dona onde sobressai um Cartier em pérolas.
Chega formosa e segura, atirando Leonor pela ribanceira dos camonianos amores, e em Dior pálido - contrapartida às temperaturas exaltadas do seu Porto - atravessará durante uma semana inteira os lusos corredores ribeirinhos dos olhares copiosos que chicoteará com a indiferença de quem usa óculos escuros para não se ofuscar com o próprio brilho.
A Gaffe saracoteia revistas aéreas. Dedica-se há algum tempo aos valiosos temas que as preenchem e sente uma atrasada compreensão - mas, apesar disso, uma intemporal solidariedade -, perante a dor de uma rapariga esperta que identifica a sua partida d’algures com a morte de um elemento da realeza britânica.
Apesar disso, é evidente que a escala é diferente.
Não aborreçam a Gaffe mal esta luminosa rapariga pousa dois ordenados dos professores portugueses nas pedras destas Avenidas, recordando o apelo à calma do ternurento e fofo primeiro-ministro dos portugueses e das portuguesas que garante que as infraestruturas do ministro das ditas estão seguras, que as finanças são uma floreira de pensões e de refromas à beira-mar de trapézio, que os fundos europeus nunca foram éticos e que terá estudo para se erguer local para maiores voos.
.- É impura - afirma inflexível o jovem padre.
Estamos em Outubro de 2022.
Estes absurdos civilizacionais, estas anomalias temporais, estas aberrações culturais, não se confinam a uma área restrita. Estão assustadoramente dispersos por todos os cantos e esquinas em vias de abandono de um país que levou à letra a expressão que lhe agradava e que o dizia um jardim à beira-mar plantado. O que não cabe nesta parola representação, ou se abandona, ou é paisagem. O resto vai-se transformando - mais rápido do que seria seguro e passível de controlar -, em parques temáticos, ocos quando a noite deixa por alguns instantes de se prolongar, visitáveis por multidões que exigem apenas um aglomerado brutal de prestadores de serviços, excluindo, por inúteis, o pensamento crítico, a racionalização do uso do espaço urbano, o uso cultural que dele é feito, as manifestações de inteligência interveniente e a proliferação da ideia abstracta. As cidades entram em gestão. São comandadas por empresários que gerem a urbe exclusivamente como destino turístico. Veneza ou Barcelona, Zadar ou Atenas, Porto ou Dubrovnik - entre outras tantas -, são asfixiadas por milhões de turistas que não se vão dizendo, por ser incomportável - e inconveniente referir em panfleto - os números astronómicos a encontrar no interior de cidades que os não aguentam, cidades grávidas de lixo, cidades que não estão pensadas para os albergar de modo orientado.
Como se um coração fosse arrancado a um corpo, forçado a mimar uma existência, bater só por bater, para inglês ver, por se entender que a um corpo inteiro, todo, basta um órgão só a latejar. O resto transforma-se em nada.
É neste abandono que há mulheres impuras e se fazem queimadas, de mulheres e de restolho.
É deste abandono que é feita a tragédia.
É neste abandono que arde a tragédia.
No entanto, e para seu sossego, a Gaffe sempre sentiu a necessidade de decapitar um qualquer indivíduo, culpabilizando-o pelos cenários miseráveis que se deixaram erguer. É provável que este facto reflicta o medo de se sentir responsável, o ilibar da sua consciência, a desculpabilização, a crença na sua inocência, a convicção de estar unida à inocência e de ser piedosa e humanamente impoluta, capaz de aliar a sua urbanidade imprescindivelmente turística, o seu citadino movimento de ancas, à terra mais extrema, onde pasta a solidão azeda, onde uiva a noite mais cerrada, onde a lama não é cosmética e onde morrem velhos sem ninguém saber.
Acarreta ao mesmo tempo a possibilidade de, ao fustigar alguém no adro da Igreja, amedrontar os outros que - a Gaffe acredita -, coadjuvaram o maldito. Basta chicotear um indivíduo na frente do povo, para que a multidão que assiste não repita o erro cometido pelo suposto infractor. As ditaduras acreditam neste pressuposto e às vezes nós, tão democratas, não nos importamos nadinha de o fazer.
Ficamos sossegados. Tranquiliza-nos exigir cabeças. Satisfaz-nos ver sacrificado alguém em prol do nosso apaziguamento. Podemos então fazer biscoitos e bolinhos de maçã para acompanhar o chá e acomodar a nossa cosmopolita indignação.
É engraçada esta espécie miúda de vingança tresloucada que continua a possibilitar que se exija apenas a culpabilização de alguém que nos aparece em vias de expelir um cálculo renal - por norma sai, de quando em vez, quando fala -, para que, pelo menos, sintamos que foram punidos os responsáveis e as vítimas assim homenageados, mesmo reconhecendo que o trágico resultou de um somatório de circunstâncias impensáveis, extremas e incontroláveis, aliadas a outras velhas, velhíssimas, e sabidas causas, que se arrastaram, se alimentaram e se abençoaram durante décadas, aniquilando os modos de vida das gentes, desolando terras, povoando-as de indiferença, vergando-as a interesses financeiros esconsos ou inscritos em papel de gabinete; ignorando planos de desenvolvimento sustentável das florestas e de reestruturação florestal; permitindo que a incompetência, a falta de inteligência, a vigarice, os submarinos, a trumpolinice, a privatização de todas as electricidades e de mais barragens; autorizando o roubo dentro da Lei e dentro dos bancos, a corrupção daninha, magra ou de grande vulto; o mastodonte da burocracia que atrasa escandalosamente a ajuda a quem quer que dela necessite; a canonização dos profissinais da miséria - bom dia Jonet! -, que permite o assumir descarado da existência de 200 mil crianças em pobreza extrema; a escabrosa manipulação dos planos municipais de ordenamento do território; a correria quase psicótica a alojamento que falha a estudantes que sobram; os 230 milhões anuais arrecadados pelos sucessivos governos que tributam as exportações de celulose - e mais que não se diz, porque há vergonha e Globos de Ouro, há lamento e há um primeiro-ministro a avisar que isto é assim, porque mudar o que decide exige votação diferente da havida, fingindo acreditar que o seu governado se governa de mais que evidentes inoperância, ineficácia, incompetência, sombras de noepotismos, aliando a tudo isto uma manifesta falta de tempo para acudir o lixo acumulado durante anos.
Entretanto, ainda há mulheres impuras nos buracos deste jardim à beira-mar plantado, premiado internacionalmente como depósito de turistas.
A Gaffe saracoteia revistas aéreas. Dedica-se há algum tempo aos valiosos temas que as preenchem e sente uma atrasada compreensão - mas, apesar disso, uma intemporal solidariedade -, perante a dor de uma rapariga esperta que identifica a sua partida d’algures com a morte de um elemento da realeza britânica.
A Gaffe entende que o seu afastamento destas lides se assemelha à morte de Isabel II. São ocorrências com notórias semelhanças.
é certo que também Diana de Gales não dista grande coisa da senhora, espertíssima, que agora foi para outro lado. Ambas foram fabricadas pelas câmaras, ambas as usaram com uma eficácia a toda a prova, ambas distraíram e retardaram públicos, ambas foram fotografadas - uma com pobrezinhos ao colo no centro de estudos de luz e ângulos selecionados atá à exaustão e desistência dos ditos, a outra pela Leibovitz - e ambas deixaram órfãos que, segundo se vê, medram lindamente.
Nenhuma abala ou abalou o planeta onde se extinguiram.
Apesar disso, é evidente que a escala é diferente.
Umas são globais e a Gaffe é daqui. É evidente que a rainha era todo um pergaminho, é evidente que a tiara não era tudo o que tinha na cabeça; é evidente que a tiara era mesmo de diamantes; é evidente que a princesa que se espetou contra o muro, teve a sensatez de passar a usar Moschino, Versace e Chanel, depois dos rabanetes, das couves e dos cogumelos da romaria com que se casou; é evidente que sabia murmurar, sussurrar, insinuar e alfinetar - sobretudo nas entrevistas; é evidente que adivinhava que não se cruzam as pernas até que se avistem as amígdalas nos salões onde estão as velhas e é evidente que, nestas áreas - essenciais a quem se passa, sem a passa - os pontos passam ao lado das camillas cheias de graça e de sorte. Mas, meus amores, o resto não deixa de encaixar muito bem.
Não aborreçam a Gaffe mal esta luminosa rapariga pousa dois ordenados dos professores portugueses nas pedras destas Avenidas, recordando o apelo à calma do ternurento e fofo primeiro-ministro dos portugueses e das portuguesas que garante que as infraestruturas do ministro das ditas estão seguras, que as finanças são uma floreira de pensões e de refromas à beira-mar de trapézio, que os fundos europeus nunca foram éticos e que terá estudo para se erguer local para maiores voos.
Para desmotivação bruta, parva, retardada, descerebrada, já bastam os preparativos do baptizado que se aprontavam, retocados pela madrinha que rejubilava.
O padre da Freguesia, homem dos seus trinta e poucos anos, serrano, robusto e bonacheirão, recusou terminantemente a indigitação da felizarda.
A agora lavada em lágrimas desolada mulher não podia ser a bafejada, porque era divorciada .- É impura - afirma inflexível o jovem padre.
Estamos em Outubro de 2022.
Estes absurdos civilizacionais, estas anomalias temporais, estas aberrações culturais, não se confinam a uma área restrita. Estão assustadoramente dispersos por todos os cantos e esquinas em vias de abandono de um país que levou à letra a expressão que lhe agradava e que o dizia um jardim à beira-mar plantado. O que não cabe nesta parola representação, ou se abandona, ou é paisagem. O resto vai-se transformando - mais rápido do que seria seguro e passível de controlar -, em parques temáticos, ocos quando a noite deixa por alguns instantes de se prolongar, visitáveis por multidões que exigem apenas um aglomerado brutal de prestadores de serviços, excluindo, por inúteis, o pensamento crítico, a racionalização do uso do espaço urbano, o uso cultural que dele é feito, as manifestações de inteligência interveniente e a proliferação da ideia abstracta. As cidades entram em gestão. São comandadas por empresários que gerem a urbe exclusivamente como destino turístico. Veneza ou Barcelona, Zadar ou Atenas, Porto ou Dubrovnik - entre outras tantas -, são asfixiadas por milhões de turistas que não se vão dizendo, por ser incomportável - e inconveniente referir em panfleto - os números astronómicos a encontrar no interior de cidades que os não aguentam, cidades grávidas de lixo, cidades que não estão pensadas para os albergar de modo orientado.
Como se um coração fosse arrancado a um corpo, forçado a mimar uma existência, bater só por bater, para inglês ver, por se entender que a um corpo inteiro, todo, basta um órgão só a latejar. O resto transforma-se em nada.
É neste abandono que há mulheres impuras e se fazem queimadas, de mulheres e de restolho.
É deste abandono que é feita a tragédia.
É neste abandono que arde a tragédia.
No entanto, e para seu sossego, a Gaffe sempre sentiu a necessidade de decapitar um qualquer indivíduo, culpabilizando-o pelos cenários miseráveis que se deixaram erguer. É provável que este facto reflicta o medo de se sentir responsável, o ilibar da sua consciência, a desculpabilização, a crença na sua inocência, a convicção de estar unida à inocência e de ser piedosa e humanamente impoluta, capaz de aliar a sua urbanidade imprescindivelmente turística, o seu citadino movimento de ancas, à terra mais extrema, onde pasta a solidão azeda, onde uiva a noite mais cerrada, onde a lama não é cosmética e onde morrem velhos sem ninguém saber.
Acarreta ao mesmo tempo a possibilidade de, ao fustigar alguém no adro da Igreja, amedrontar os outros que - a Gaffe acredita -, coadjuvaram o maldito. Basta chicotear um indivíduo na frente do povo, para que a multidão que assiste não repita o erro cometido pelo suposto infractor. As ditaduras acreditam neste pressuposto e às vezes nós, tão democratas, não nos importamos nadinha de o fazer.
Ficamos sossegados. Tranquiliza-nos exigir cabeças. Satisfaz-nos ver sacrificado alguém em prol do nosso apaziguamento. Podemos então fazer biscoitos e bolinhos de maçã para acompanhar o chá e acomodar a nossa cosmopolita indignação.
É engraçada esta espécie miúda de vingança tresloucada que continua a possibilitar que se exija apenas a culpabilização de alguém que nos aparece em vias de expelir um cálculo renal - por norma sai, de quando em vez, quando fala -, para que, pelo menos, sintamos que foram punidos os responsáveis e as vítimas assim homenageados, mesmo reconhecendo que o trágico resultou de um somatório de circunstâncias impensáveis, extremas e incontroláveis, aliadas a outras velhas, velhíssimas, e sabidas causas, que se arrastaram, se alimentaram e se abençoaram durante décadas, aniquilando os modos de vida das gentes, desolando terras, povoando-as de indiferença, vergando-as a interesses financeiros esconsos ou inscritos em papel de gabinete; ignorando planos de desenvolvimento sustentável das florestas e de reestruturação florestal; permitindo que a incompetência, a falta de inteligência, a vigarice, os submarinos, a trumpolinice, a privatização de todas as electricidades e de mais barragens; autorizando o roubo dentro da Lei e dentro dos bancos, a corrupção daninha, magra ou de grande vulto; o mastodonte da burocracia que atrasa escandalosamente a ajuda a quem quer que dela necessite; a canonização dos profissinais da miséria - bom dia Jonet! -, que permite o assumir descarado da existência de 200 mil crianças em pobreza extrema; a escabrosa manipulação dos planos municipais de ordenamento do território; a correria quase psicótica a alojamento que falha a estudantes que sobram; os 230 milhões anuais arrecadados pelos sucessivos governos que tributam as exportações de celulose - e mais que não se diz, porque há vergonha e Globos de Ouro, há lamento e há um primeiro-ministro a avisar que isto é assim, porque mudar o que decide exige votação diferente da havida, fingindo acreditar que o seu governado se governa de mais que evidentes inoperância, ineficácia, incompetência, sombras de noepotismos, aliando a tudo isto uma manifesta falta de tempo para acudir o lixo acumulado durante anos.
Entretanto, ainda há mulheres impuras nos buracos deste jardim à beira-mar plantado, premiado internacionalmente como depósito de turistas.
Não desmotivem a Gaffe, que chega ao Porto entranhada na superficialidade, encharcada em futilidade, embebida em inutilidade. Para desgosto já lhe basta a morte da monarca.