7.10.24

A Gaffe manual


A Gaffe vai à manicure.

Sempre que tem de entregar a alguém pedaços de si, a Gaffe bisbilhota dias antes alguns exemplares do retalho disponíveis no mercado. Se, por exemplo, quer comprar um rímel, esta rapariga esperta debruça-se nas pestanas alheias até ficar cansada de tanto olhar e se decidir a escolher o próprio destino.
Com a manicure o mesmo se passa.

A Gaffe acredita que dar a mão a alguém é não a ter de volta nunca mais, é jamais aquele membro gestuar do mesmo modo, com o mesmo rumor subtil da identidade aprisionada.

Reconhecemo-nos ao dar a mão, ao dar verdadeiramente a mão, como quem vai, indiferente à multidão, desabotoando o coração.
Dar a mão a alguém é como ver com os seus olhos. É raro mostrarmos a alguém como vemos com os nossos olhos. Dar a mão a alguém é portanto um risco eterno.

- Ainda quer a minha mão? – pergunta a Gaffe à rapariga dos frascos e unguentos e percebe numa espécie de culpa que a pergunta deveria ser outra.

- Como se vê com os seus olhos?

Esperemos sempre que a mão que é dada ou acolhida faça com que as borboletas cresçam como espuma nos dias e acreditamos. Acreditamos até a dolorosa morte de sabermos que afinal as mãos já não se mexam, nunca mexeram, porque foram apenas cisnes imóveis com pescoços de espada e nós, decepados.

Talvez então o silêncio que nos resta nas palmas seja Deus a chorar.