A presença de rúcula numa salada, ou de pepino na mesa, causa-me profunda aversão.
Deixo de sentir o sabor de qualquer outro alimento se pressinto no palato a desagradabilíssima agrura do vegetal a assassinar a presença de outras histórias e o aroma do pepino destrói todos os tesouros gastronómicos com que me quiserem mimosear.
É evidente que é uma abominação absolutamente pessoal e intransmissível.
Há gente que morde com desmesurado prazer os dois horripilantes opressores de saladas.
Mas o maior pesadelo, quer do meu olfato, quer do meu palato, é a única erva aromática hostil ao ponto de me ter de afastar anos-luz do local onde está a ser usada.
O coentro.
O meu ódio aos coentros leva-me a não apreciar o Alentejo gastronómico, ou a desvirtuar, ou mesmo a contaminar por completo, as receitas que os elegem como personagens principais.
Asfixiam-me, tal como as pipocas. Seria assassinada facilmente, e com toda a impunidade, se me enfiassem debaixo do nariz durante um tempo considerável uns raminhos de coentros, enquanto me obrigavam a morder uma folhinha de rúcula, durante uma sessão de cinema em que o espectador do fundo estivesse a pulverizar pipocas, mantendo um pepino enfiado onde melhor cuidasse. O crime perfeito.
Odeio coentros e pepino e rúcula e depois pipocas. São pintas, folhas, ervas, bolinhas, bagos, grãos que destroem esta rapariga esperta.
Estas irrelevantes idiossincrasias acabam sempre por se esparramar - de sobrancelha erguida e maldizente -, sobre quem as possui, como tragédia de quem não sabe o que é bom. Arrasam as vidas perfeitas das saladas dos outros, assolam as rigorosas linhas com que se cosem os vegetarianos mais radicais e arruínam toda a esquadria gastronómica dos apologistas do respeitinho é muito bonito aplicado às receitas ancestrais.
No entanto, são apenas umas gotas a mais na nossa perfeição.
Não é de todo necessário lançar fogo a Roma com tão pouca palha. Basta que a velha capital seja submetida ao nosso paladar, ou que os romanos acendam fogareiros longe do templo. Não temos que nos subjugar à receitinha, é sempre a fórmula que se adapta a nós, assim que o desejarmos.
A receita que se dane.