A insistência com que nos atiram o ácido da efemeridade de se ser feliz, da fugacidade da beleza e da maleficamente recheada conta bancária, à nossa pele bem tratada - elevando-se aos píncaros do sublime o desprendimento e a desapropriação dos anacoretas, a consciência da morte desgraçada e podre, a beleza interior dos feios e dos pobrezinhos -, é uma desgraçada e repelente ode à infelicidade.
27.5.21
A Gaffe mortal
A insistência com que nos atiram o ácido da efemeridade de se ser feliz, da fugacidade da beleza e da maleficamente recheada conta bancária, à nossa pele bem tratada - elevando-se aos píncaros do sublime o desprendimento e a desapropriação dos anacoretas, a consciência da morte desgraçada e podre, a beleza interior dos feios e dos pobrezinhos -, é uma desgraçada e repelente ode à infelicidade.
26.5.21
A Gaffe por empoar
Bill Mayer |
19.5.21
A Gaffe palestiniana
Quando a História se torna fotogénica, torna-se em simultâneo indiferente ao que se retrata e o sentido do que se quer dizer é apenas um pálido recanto inútil na película da imagem.
12.5.21
A Gaffe com a baronesa
11.5.21
A Gaffe da bela Inês
Maurizio Di Iorio |
- (...) Imaginemos que o fim da escravatura era os negros passarem a escravizar os brancos. É nisto que estamos agora, vamos usar um esquema de terror (…), o que se pretende é arrasar reputações. Devia haver a sororidade prévia de garantir que há 10 acusações para [a acusação] ser sólida.
A Gaffe está solidária com a Inês que posta em desassossego pelo #metoo, rasga as vestes pelo amigo de há imenso tempo - uma pessoa de bem, por quem entrega as coisas ao fogo, um intelectual de renome, um servidor da bela arte de editar, um cavalheiro a toda a prova e trote -, agora denunciado, acusado de assédio, por uma megera doida que entretanto já conseguiu apaniguadas, uma quantidade substancial de sequazes neste péssimo vício de destruir reputações masculinas por dá cá aquela palha. Mentirosas!
Se desancarmos imenso nestas ratas vingativas, se nos amotinarmos desgrenhadas contra o irrisório, o caricato, o ínfimo número de falsas acusações, temos, no bolo todo, garantida a segurança da cereja dos amigos, pois que os amigos não são para acusar! Não é que Inês pretenda liderar uma honesta e justa caça às bruxas - não é, de todo -, pois que se trata mais de um apanha bicho. Um terror. Uma falta de chá.
Falta por falta, escasseiam as outras nove acusações para ser possível aceitar que é provável que o rapaz se tenha descaído e tentado roubar um beijo - muito fin de siècle - à fedelha que estava a pedir muito mais do que isso, dados os preparos - sendo que derivado aos preparos também se tornou um atentado ao pudor e meio caminho andado - Deus e a mulher sabem muito bem para onde, que aqui ninguém é ingénuo, que olé, picolé - diz o povo, embora parvamente, é certo.
Seguindo a sugestão de Inês Pedrosa, os Tribunais receberiam os assédios, gota a gota, pingo a pingo, faziam pacotinhos, carimbavam os cartões e, ao fim de dez, ofereciam um desconto. Seria a situação mais prática e evitaria que até mesmo Rodrigo Moita de Deus, que não prima pela defesa de causas, ficasse perplexo, vacilante e aturdido, perante o protesto da senhora contra as megeras oportunistas que arrasam reputações - e a Gaffe acrescenta que vai bem e a eito -, lares e casamentos.
Como Inês Pedrosa, também Raquel Varela parece - podendo não ser, pois que o parecer deve vir a dez para solidificar a enunciação -, ciciar o que nos rememora o lamento em relação às mulheres, os homens agora já não podem fazer nada. A Gaffe vai esquecer, em nome da sororidade, que não sabe quando foi que as mulheres autorizaram que os homens lhes fizessem tudo.
Esta rapariga assume que está com elas, como as iscas, e também acredita que é suspeito o tempo que as outras levam a abrir o bico - embora neste contexto se torne conveniente reformular a frase. Uma suposta assediada deve denunciar o eventual caso de assédio dentro do prazo que as pessoas de bem estipularam pra tal. Não é quando lhe dá para aquilo - pois que se corre então o risco de importunar e injustiçar senadores que são muito cá de casa, amicíssimos, de boas famílias e tantos tão bem colocados.
A Gaffe reconhece que a menina é, irremediavelmente, uma escritora de segunda linha e talvez seja por isso que coloca as mulheres assediadas nesse mesmo patamar de qualidade, mas mesmo assim, Inês, minha querida, seria interessante que se apercebesse que a mulher trancada nos limites que nos aponta, pode ser, também por si, emudecida definitivamente.
Pelo menos, minha querida Inês Pedrosa, ficamos a saber que a menina é abolicionista. A Gaffe supõe apenas se os escravos não forem os de lá de casa.
10.5.21
A Gaffe poeirenta
Foi com Raul Brandão - tão arredado do cânone literário! - que me apercebi da magnitude do mistério que um texto pode conter.
Lia A Morte do Palhaço e em cada página que era lida dava conta, quase sem disso ter consciência, das infinitas arquitecturas das palavras e deixei-me deslumbrar pelos edifícios que se formavam e erguiam incessantemente num jogo polissémico que se multiplicava por frases nunca lidas até ali.
Foi com Raul Brandão que entendi que talvez seja a consciência da mutabilidade da frase e da sua capacidade de se unir a outras num encadear eterno, como até ali nunca foi história, que me fez acreditar que não basta soletrar rabiscos, que não basta perceber o mecanismo da língua, que não chega termos a capacidade de colar um vocábulo à frente de um outro, para que um texto nos atordoe.
Não basta.
Acredito que reconhecer um escritor se faz nas catacumbas da alma, talvez muito antes da obra ser sujeita ao escrutínio do bisturi da análise literária.
É esmagador o poder do escriba capaz de - com palavras gastas e velhas como a morte -, construir paisagens originais, absolutamente desconhecidas pelos outros, nunca vistas, nunca lidas, nunca sentidas da forma que nos é oferecida como quem nos entrega a surpreendente simplicidade do movimento eterno, a espantosa floração do único.
Talvez seja isto que me faz acreditar que apenas o conhecimento profundíssimo dos livros nos faz perceber que não passamos, quase todos, de pequenos tontos, ingénuos, iludidos, fraudulentos, hortofloricultores de pechisbeque, a usar as mesmas pedrinhas de poeira, umas atrás das outras, tentando que os espaços minguados que ocupamos tenham chão. Usamos coisas velhas para acabar como partimos, envelhecidos e de mãos vazias, porque a poeira se esgueirou por entre os dedos.
Apenas os que usam o que velho o tempo foi fazendo, fazendo do que o tempo fez velhice o esplendoroso encontro com a surpresa, acabam a escrever.
Talvez da derradeira terra, das decompostas recordações das almas, do estrume que pesa sobra as vidas, do corpo que nos morre a cada passo e da morte que resta em nós antes da alma, talvez daí – talvez, que nada é certo -, talvez e só então, se deslace o voo de uma só palavra num bater de asas mínimo e perfeito.
8.5.21
A Gaffe procuradora
Não é que provoque grande prurido a impudência de se aldrabar currículos, sonegando ou aditando o que se achar por conveniente.
7.5.21
A Gaffe visível
6.5.21
A Gaffe escreve a Suzana Garcia
Caríssima Sanocas,
5.5.21
A Gaffe dentro de casa
Inventemos, pois, a forma de replicar a flor branca das sardinheiras mais frágeis. O modo de proteger a delicadeza dos caules que quebram com maior facilidade. A forma de abrigar as campânulas de luz que se abrem com a debilidade esperada em flores mais castas e esmeradas.
A Gaffe branca
4.5.21
A Gaffe divergente
Michael Kutsche |
A Gaffe, por estes dias, ficou admiradora incondicional de Bernardo Moniz da Maia, ultrapassando desta forma o desregramento idílico que tinha de quando em vez pelo mavioso e mafioso Berardo.
As cascalhadas do comendador já não ressoam nos corredores da Assembleia da República; a circunspecção do olvido financeiro de Salgado já não parece excitar as bancadas mais concupiscentes do semicírculo; os escárnios e maldizeres do filósofo de panela de pressão parisiense que - diz-se -, sorvia as profundezas do cozido do amigo, já não é de foguetório, pois que um juiz só encontrou o vapor, e nem sequer a energética figura do gestor medalhado que fundiu o fusível da empresa, electriza os assentos parlamentares.
A Gaffe encontra em Bernardo Moniz da Maia o inesperado, o original, o quase genial. O Bernardo é um primoroso príncipe da paródia nacional, a mais requintada fossa da soberba. Um aprimorado pândego capaz de uma monumental indiferença e colossal desprezo ultraterrestre pelas demandas da arraia miúda. O Bernardo consente ser considerado um indigente mental, um imbecil trauliteiro, o centro de galhofa colectiva, um idiota insciente e néscio, mas só depois de ter encontrado no povo português um mealheiro de quinhentos milhões de euros que usará para o que der e sobretudo vier, que neste momento só veio com um parco carrito em leasing.
A representação impossível de Moniz da Maia perante um público convenientemente eleito e que muito se divertiu, é uma obra-prima de menosprezo, de desdém e de sobranceria, que diminui de forma bizarra, mas demasiado eficaz, os meninos deputados e as meninas deputadas que sorriram perante tanto cretinismo e abafaram as risadinhas, descurando o facto da sua própria figura e seu próprio papel na confrangedora peça fazer acreditar que seriam a origem do escárnio do inquirido no final do acto.
Moniz da Maia desvenerou de uma forma levada ao extremo, a trambicada da Assembleia - e as gentes que a elegeram -, ao ponto de lhe ser desapegada e vazia a possibilidade de o considerarem doente mental.
Quinhentos milhões de euros valem bem um país a troçar da figura de tanso e de palerma que mimamos para descansarmos depois nos paraísos que quisermos, enviando a conta aos papalvos que divertidos abafaram as gargalhadinhas das suas tão comprovadas superioridades mentais.
O Bernardo é absolutamente diferente daquele cavalheiro cansativo, muito Downton Abbey, incapaz de assumir o mais ínfimo resvalo social, humano, humanitário ou mesmo financeiro, mas que esconde nos silêncios esconsos de dentro de si um psicopata porco - um porco psicopata -, que se viciou em cocaína e indiferença e que gosta de chafurdar na lama e de arrancar os dentes aos serviçais.
O Bernardo é diferente. Não usa smoking.
3.5.21
A Gaffe amadora
A Gaffe, em boa verdade, sempre teve uma irritante sensação de déjà-vu quando em modo distraído lhe surgia um demarcado líder partidário português. A aparição transtornava-se em animação e toldava-lhe o siso, pois que esta tonta rapariga o substituía sempre por Mr. Burns, arrepiante personagem dos Simpsons.
Neste instante, a Gaffe lobriga a tenebrosa injustiça que durante todo este tempo afectou a cabeça partidária e de bancada tão visada pelo infortúnio.
Não por lhe ser especialmente penoso o exercício sinistro do body shaming. A Gaffe sempre foi uma cabra e arrasar uma criatura apenas com disparos directos - ou mesclados de algodão e disfarçados de nuvem e de desenho animado -, ao corpinho de alguém, nunca a fez temer o inferno - que afinal somos nós, como Sartre já reconhecia.
O facto é que - tal como para a Amadora -, bacalhau basta para que nas nossas aproximações imagéticas - digamos desta forma, para simplificar -, antes tidas como sólidas e inquebráveis, se alterem ou quebrem sentidos, princípios, paridades, semelhanças, identificações e paralelos.
Abandonando a visão simpsoniana, a Gaffe passou a olhar o grande líder partidário de forma distinta e recorrendo a outros carnavais e a diversos humores, tendo sempre presente a extraordinária macacada que é afirmar que por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher.
Às vezes, o que temos é somente uma tibieza coerciva, que resulta de uma cada vez maior desertificação ideológica, que se deixa amarrar e dominar por uma cobiça oportunista estercada pelas fragilidades e inconsciências sublevadas dos povos.
É ordinário que por trás de um homem atado e enfraquecido, sem grandeza ou outra dimensão, esteja o populismo obeso à espreita.
É que por trás de um grande homem, há, isso sim e bem visível, uma consciência de que perder ou ganhar são também duas questões de dignidade.