30.11.21

A Gaffe estupefacta


Há muito mais de uma década que não via o Maurice.

Lembrava-me de um miúdo enfezado, de óculos grossos, frágil e quebradiço, magrinho e enfiado numa timidez que o empurrava para longe das primeiras filas. Um Ribeirinho bonsai facilmente esquecido em todas as actividades que se foi habituando a evitar. Se entrássemos numa sala onde a o Maurice estava, saíamos afirmando que não estava lá ninguém.

O Maurice é agora engenheiro mecânico e o mais recente companheiro de folguedos do meu irmão que decidiu que a saudade dos tempos idos nos colégios velhos tinha de ser amenizada pelo abraço do mais acanhado dos seus representantes.

É corriqueiro sentirmos, quando somos surpreendidos ao encontrar alguém que não víamos há muito tempo, que o avanço da idade foi implacável, desfazendo os traços de vitalidade que o nosso interlocutor retinha outrora. A velhice parece ter infiltrado os dedos na pele, sulcando e secando a luminosidade juvenil e instalando exércitos em redor da cintura. Esquecemos com alguma displicência que a mesma sensação, em relação a nós, está desperta na vítima que julgamos caquética e apodrecida.

A minha expectativa em relação ao encontro com o Maurice era uma desgraçada vadia e pouco digna.

Foi então que o Maurice surgiu do passado.

Depois de ter andado à procura dos queixos que me caíram e rolaram pelo declive da minha estupefacção, consegui controlar a gaguez que me assolou e desenhar o sorriso mais imbecil das últimas décadas.

O Maurice transformou-se num dos homens mais atraentes que vi em toda a minha vida!

O homem é absolutamente lindo!

Músculos perfeitos por todo lado – e é fácil supor que também naquele em que estamos todas a pensar –, um sorriso repleto de encanto - derretemos ao vê-lo abrir clarões quando o sentimos -, uns óculos magníficos por onde espreitam dois lagos que de tão escuros prometem afogamentos certos, uma voz cava, rouca de se morrer logo ali, umas mãos grandes e elegantes prontas a manipular todos os nossos sonhos mais travessos e uma juba negra e ondulada onde nos apetece rugir ou fazer surf e um dos rabiosques mais bem desenhados que foi dado ver a estes olhos parvos e esbugalhados.     

- Ah!, mas tu estás tão diferente! - a estupefacção pode paralisar o cérebro.

- Tu estás igual – em francês não soa mal, mas tendo em conta que eu era uma trinca espinhas sardenta e desengonçada, com um incêndio descontrolado na cabeça e muito pouco que se lhe diga, conclui rapidamente que o Maurice insignificante da minha infância continuava escondido naquele corpanzil de se perder a cabeça.

Não há nada mais desanimador do que se perceber que aconteça o que acontecer há coisas que não mudam.  


... ... Parvo.