Há já alguns anos, à saída do aeroporto, Pequim na mira, fui abordada por dois chineses velhíssimos que excitados suplicavam que tirasse ao lado deles uma fotografia.
Acedi.
Percebi pela alegria gestual das milenárias criaturas que era o facto de ser ruiva a razão do alarido. Provavelmente seria como captar uma imagem ao lado de um unicórnio ou, mais prosaicamente, de um orangotango aos caracóis que ruivos deveriam ser também. A verdade é que, em contrapartida, os obriguei a posar comigo, numa recordação só para mim. Não podia perder a oportunidade de registar o momento em que me cruzei com duas múmias da dinastia Ming.
Não há muito tempo, na Irlanda, passei despercebida.
Um país absolutamente indiferente à minha cor, porque é o local do planeta onde existe a maior concentração de ruivos por metro quadrado. Mais uma, menos uma, é coisa de pipocas.
Para além de ruivas e de ruivos - há que respeitar todos os blocos -, a Irlanda tem cavalos, ovelhas, cães, muita erva e um tempo desgraçado. A conjugação destes factores provoca saudades da China, onde pelo menos encontramos alguma excitação a tentar não atropelar ninguém no meio da cortina de névoa envenenada.
É esplêndido porque nos faz vislumbrar que no meio da paisagem irlandesa apetece muito e é tão bom poder encontrar dois velhíssimos chineses para lhes suplicar uma foto em conjunto.
Este confronto com tão diferentes conceitos de normalidade deixa-me siderada.
É maravilhoso o modo benigno como neste planeta a diferença é às vezes olhada!
É extraordinário perceber que é apenas a lei das maiorias a definir a regra e, em consequência, a provocar o preconceito - origem básica de todo o erro do julgar -, mas que, ao mesmo tempo, é capaz de acolher quase de forma divertida a fuga aos que dela escapam.
É encantador compreender que nos portamos todos como tontos num planeta povoado pela diferença, como somos ingénuos e teimosos quando incensamos o nosso umbigo fornecendo-lhe o estatuto de vedeta e de modelo único e que, ao mesmo tempo, ali bem perto, consideramos que uma fotografia ao lado da dissemelhança merece ser mostrada aos netos como triunfo sobre o quotidiano.
Às vezes as minhas avenidas são brancas. Outras vezes reflectem-se nos olhos e ficam com as cores de quem as olha, mas serão sempre ruivas quando dentro delas há gentes a cantar as cores que dentro da amizade eu consigo encontrar.
Foi informada por uma das minhas mais importantes amigas, que o dia de ontem foi dedicado internacionalmente à gente ruiva. Foi dia de beijar uma destas maravilhosas criaturas.
Esta rapariga admite que não fazia a menor ideia.
Espero que o vosso beijo tenha também a cor ruiva daqueles que festejam a diferença.