26.5.21

A Gaffe por empoar

Bill Mayer

A Gaffe tem uma declarada admiração por Isabel I, a prepotente ruiva estéril, capaz de atrair todas as amarras e armadas.

Há, no entanto, un tout petit point que requer algum distanciamento, embora - et malgré tout -, comprove em simultâneo uma funesta e rumorosa aproximação.

A Rainha, como toda a gente sabe, dissipou corpo e alma ao usar ao longo do seu soberano tempo Venetian Ceruse, um pó branco tóxico, assassino, um composto de chumbo e vinagre, com que escondia os estigmas da varíola, ao mesmo tempo que a envenenava, lhe deixava a pele acinzentada e enrugada e a fazia perder cabelo e dentes.
O batom que era autorizado a pousar nos seus lábios curtos e afiados como facas, continha metais pesados, e o sabonete líquido com que lavava o rosto possuía ingredientes como água de rosas, mel, cascas de ovo e mercúrio - que deixava a pele de Sua Majestade mais macia apenas porque lhe estava a corroer a carne.

A Rainha morre, pois, ressequida, coberta de pó branco-homicida.

A Gaffe usa Shiseido, Sensai e Dior - entre outros mais que tais - e não pensa perder dentes e acinzentar, secar, enrugar, mirrar, descarnar, e ficar careca - pelo menos tão cedo.

Em contramão, esta tão ruiva como Sua Alteza tem por certa a algazarra tresloucada dos seus caracóis quando se aproximam de territórios de humidades e de nevoeiros shakespearianos.


Após esta preciosíssima pérola de erudição - que torna a Gaffe um dos expoentes da intelectualidade e do bem-pensar que por aqui grassa -, esta rapariga reconhece que, tal como Sua Majestade esgrouviada, é capaz de se enojar com as perucas das pequenas mulheres pequenas que as enfiam para disfarçar a nulidade perversa que lhes rasa a cabeça.

As caracoletas lustrosas, os caracóis emotivos e sensíveis, a laca solidária, a lisura escorregadia das melenas e a doçura poética deslizante das madeixas, são tão só momices oleosas e cor-de-rosa que encapotam o charco de nulidade perversa com que assombram em silêncio a vidas dos outros.

São bandeiras desfraldadas em nome de umas quantas causas.

São odes e hinos abertos ao vento da honra, da claridade, da humanidade, da diversidade e da mais alta noção de amor e liberdade, enquanto nos mais recônditos cotovelos trazem toda a maledicência universal, todo o mercúrio e chumbo dos murmúrios e todos os rumores do preconceito. Tudo pela calada dos vermes e pela hora em que todos os nojos são pardos.

A Rainha decapitá-las-ia.