Somos por natureza quantificadores e por, muito que o neguemos, os números e a sua placidez, ou palidez ordenada, vão-se tornando facilitadores dos julgamentos que fazemos de nós e dos outros. Tornam-se traves mestras sem as quais nenhum edifício interior pode sobreviver e mesmo que pintemos os muros que somos com motivos florais, acabamos a contabilizar o número de pétalas que colorimos, para oferecer alguma harmonia mesmo ao terror.
Medimos o bebé, contamos os tostões, contabilizamos acidentes, medimos a tensão arterial, calculamos o défice, numeramos as casas, somamos desgostos, subtraímos esperanças, multiplicamos terrores, dividimos solidariedades por grupos contados pelos dedos, somos corajosos ao som do um-dois-três e fugimos quando não há ninguém a ver, porque às vezes somos zero.
Não incomoda este matematizar da vida, pois que é intrínseco a ela.
Não nos apercebemos da quase instintiva força que tenta escapar ao Caos, empurrando o que somos para os trilhos da Ordem que supomos encontrar na tentativa inata de quantificarmos o Universo.
Somos ordenados dentro desta confiança tranquilizadora, porque mesma a dor, a mais estrepitante, aquela a que atribuímos o número um, numa escala que vai do coração à morte, pode ser passível de baixar de nível à medida que o tempo passa e se acumula.
Medimos o que somos sobretudo com as escalas dos outros.
Somos pequenos, invariavelmente pequenos e contamos cada milímetro que nos fazem sonhar com maior altura. Inflacionamos o que obtemos, pois que tão pouco amor e tão curta a vida. Atiramos a primeira pedra àquele que finalizou em último a corrida dos metros que nunca foram dele e gastamos as métricas de todos os versos, porque temos dez dedos apenas para numerar as sílabas.
O meu amor é maior que o dele. A tua dor é menor que a minha. A felicidade é sempre pequena. A fracção de segundos é sempre uma vida e acabamos debaixo de sete palmos de terra, porque afinal os homens não se medem aos palmos, nem se medem às palmas.
Talvez os homens se calculem apenas na ausência da ordem dos compassos dos outros, quando sozinhos olham a própria cegueira e se apercebem que o Nada é bem melhor que o Zero.