2.8.21

A Gaffe de chiffon vermelho

Sophie Delaporte
Era Verão e havia vento.

A memória do que foi introduz-se na hora do presente e é criada uma entidade nova, somatório das duas, pertença minha e da criança que fui e que ma deu e de que tomo posse como de um objecto que foi moldado em barro por quatro mãos diferentes, mas que é pousado no chão da nossa alma e ali fica a ver-nos.

Havia vento e era Verão.

A minha mãe loira de sorriso brando, vestida de chiffon vermelho, com os pés nus na areia. O vento espalhava a mancha de sangue do vestido, ao sol. De pés nus na areia. Sorria, a minha mãe com o vestido de sangue que esvoaça. Sorria sempre e havia vento. Cada gesto seu ondulava e o oiro do cabelo tinha de ser preso pelos dedos finos, brancos, com anel, como o lugar onde tenho esta memória.

A memória esbatida do momento, a memória que se perde antes de a poder olhar de frente e no entanto, se fechar os olhos, a nitidez com que o meu espanto a encontra é de tal forma clara e branca que a memória que dela tenho é minha sem talvez o ser e multiplica-se noutros cantos e em lugares diferentes, longe do vento de Verão de chiffon vermelho.

A mesma mulher num Hotel de charme. Nas portas que rodam, a guiar a filha. De casaco grande. Caxemira, de bolsos gigantes com vento de Inverno. De rosto redondo e olhos que a filha recebeu de herança.

- Como um carrossel, minha menina, as portas giram sempre. São mágicas. Como num carrossel, minha menina, encontras-te contigo se sonhares.

A memória dos ventos. Dos que me pertencem, que me foram dados. Branca, como um vestido de chiffon vermelho ou como um carrossel a girar num sonho.