Sazonalmente a minha avó reunia as peças dispersas de roupa recolhida nos abandonos das netas e com medonhos sacos cheios, procurava a senhora Emília no mercado da Foz.
Ajudava sempre a transportar os pesos.
Num morno cúmplice de antigas amigas, coscuvilhavam as vidas despojadas nos tecidos e nos pespontos das peças que a mais tonta das futilidades tinha transformado em órfãs.
A senhora Emília tinha demasiadas netas. Demasiada gente para vestir só com o preço de flores e de legumes. Agradecia e, de braços cruzados sobre o peitilho do avental às riscas, dos confins da banca retirava ovos e flores que a minha avó recebia como se de tal oferta dependesse toda a doçaria dos conventos e todos os altares da confraria.
Quando a minha avó não encontrava a senhora Emília, deixava os sacos pousados no balcão e recomendava à vizinha, que os invejava, que os vigiasse até chegar a dona. Depois entrava na banca e tirava os ovos.
Não gostava. Toldava-me os nervos ver a minha avó, na ausência da senhora, entrar por ali fora, procurar um saco e com o à-vontade que quase dói de genuíno, não desistir da troca, parca que ela fosse.
- Irrita-me quando te vejo a fazer isso, avó! Como te atreves?!
A minha avó espantou-se. De sobrancelha em arco, reprovador desenho que breve se desfaz, explicou:
- Minha querida, tu não conheces ainda a força dos laços e dos nós que a vida aperta com o tempo. Somos apenas duas velhas tontas a trocar os cromos antes que a vida nos feche a caderneta.