A Gaffe é invadida pela melosa melodia de Francisco José, cavernoso e romântico, morno e enrouquecido.
Olhos azuis são ciúme
E nada valem para mim,
Olhos negros são queixume
De uma tristeza sem fim,
Olhos verdes são traição
São cruéis como punhais,
Olhos bons com coração
Os teus, castanhos leais.
Embalada pelo cantado, a Gaffe descobre que para além de uma parafernália de defeitos que lhe são atribuídos, é também uma ciumenta, com chispas de traidora, sem qualquer valor para o rapaz que continua a amornar a atmosfera que respira.
Não que sofra atrocidades com esta revelação melodiosa, até porque o artista não lhe preenche a pauta, mas começa a irritar ligeiramente perceber que as ruivas, geralmente com olhos claros, são sempre um caso digno de figurar no rol das figuras pérfidas que assombraram - pelo menos desde o início da Idade Média até ao falecimento da Santa Inquisição - e que assombram - não é à toa que se continua o ouvir a pindérica expressão ruiva de mau pêlo - a plácida vida dos vizinhos.
Já é suficiente a Gaffe não bronzear, pensando com as suas sardas que talvez a facilidade com que apanha escaldões provenha das fogueiras inquisitoriais.
Já bastam as suspeitas de infantilidade suspensas nos seus caracóis, como enfeites de Natal ranhosos, que os néscios e aparvalhados misturam com piadolas raquíticas.
Já cansam as alusões à libido que nas ruivas se descontrola facilmente, tornando-a uma devoradora de homens, uma predadora sexual - vulgo tarada.
A Gaffe decide sem apelo nem agravo que se voltar a ser brindada com o clássico olhos azuis são ciúme e nada valem para mim ou Olhos verdes são traição, são cruéis como punhais, ou ainda, com o tradicional mimo com sabor paternalista és uma ruiva de mau pêlo, vai referir, mesmo ignorando os factos, o tamanho exíguo, mesquinho, irrisório e caricato da pilinha do rapaz.
Mesmo que o rapaz seja uma rapariga.