![]() |
Gabriel Cuallado - 1957 |
Ficamos depois esquecidos, como um casaco pousado num banco de uma gare qualquer que não traz destinos, por onde não passam passageiros, por onde o repentino restolhar do tempo deixa de fazer sentido, por já não nos pertencer, por já não ser o nosso.
Ficamos de tempo roubado, sentados à espera de Godot, de bagagem parada inútil como a eternidade.
Roubam-nos o tempo.
Somos inconscientes operários casuais sem que ninguém assuma o pagamento de salário, sem que ninguém se importe com as nossas faltas, com as nossas férias, com as nossas quedas.
Somos episódicos funcionários de multinacionais e manuseamos sozinhos o leitor de códigos de barras; e apresentemos o cartão à frincha do banco; e montamos a mobília que vem em peças soltas que tivemos de transportar sem rede; e escolhemos no écran o hamburger certo; e trocamos anúncios, e publicitamos o que não sabemos trocando e partilhando slogans; e pagamos o serviço prestado com dados faceboquianos; e registamos os nossos consumos no Portal das Finanças; e enchemos depósitos, sozinhos; e contamos a água e contamos a luz e contamos o gás e informamos depois os donos de tudo; e não temos horários e não temos salário, e não temos férias.
Só picamos os pontos que nos governam o tempo que nos roubam.
Somos grátis.
Ficamos depois esquecidos numa gare, algures, como um casaco velho que já ninguém quer.
Um dia, mortos, havemos de enterrar a eternidade.