Floresceram mordidas pela morte. Um rebordo decomposto, uma unha pisada podre em cada pétala, a cor de carne viva amortecida pelo quarto crescente da mordida.
A minha avó ao longe. Ao fundo da alameda. Ao longe branca nas ondas onduladas do cabelo. As camélias soltavam pétalas vermelhas no vestido preto da senhora.
O meu avô ao lado.
Às vezes o braço pousava no vestido negro da senhora e havia pétalas vermelhas a tombar no gesto. A camélia no peito do meu avô não tinha rebordo morto. Floresceu num ápice, antes do voo do vento e do estancar da seiva.
Às vezes a minha avó sorria. Às vezes pousava a cabeça na camélia que o meu avô tinha pousada no ombro. Igual a que trazia no peito. Vermelha como um coração sem rebordo.
- Ah, menina! Gostavam tanto um do outro como se não tivessem as almas para salvar.
As camélias mortas.
Às vezes a minha avó debruçada na alma que não tinha de salvar por amar tanto a dele que não tinha de ser salva.
Às vezes o gesto que corrigia a assimetria das pérolas no pescoço. Os dedos a aflorar o curvo das pérolas e as pétalas no chão, sem simetrias.
Às vezes o silêncio.
A alameda coberta de camélias e os meus avós ao longe de mãos dadas e o medo de não poderem morrer juntos.
As camélias começaram a tombar.