Sentávamo-nos nos fins das tardes dos meses antigos de Outono nas escadas da casa dos meus avós.
Havia um búzio nacarado que encostava ao ouvido. A minha irmã traduzia a voz do mar, o rugido do mar, o bramir do mar e eu acreditava, porque Setembro tinha aberto a cor aos olhos pardos da minha irmã e eu via, nítidas, as escamas verdes e cinzentas que mudavam de lugar todos os dias.
Acreditava nos peixes minúsculos que se moviam naquelas águas e sabia que uma criatura com escamas de brilho verde e cinzento nos olhos tinha misteriosas e inacessíveis intimidades com os oceanos.
Ouvia a voz do mar saída da boca do búzio. A minha irmã, depois de mo tirar devagarinho, encostava-o ao ouvido e traduzia o enigmático sopro daquelas cordas vocais. O que diziam variava de acordo com a disposição da minha cúmplice, mas eu acreditava nas tragédias e nas ondas de promessa de bonança de que dali vinham.
Sideravam-me.
Agora encosto a cara ao vidro duplo da janela. Não consigo ouvir a voz do mar, o rugido do mar, o bramir do mar. Ouço apenas o ruído do mar sem tradução.