A Gaffe tem deparado com um crescente uso de publicações onde pequenos mimos esbardalham frases de autores normalmente já falecidos e em consequência incapazes de protestar.
São coisinhas floreadas, com fundos idílicos ou rebuscados traços de designers de capoeira onde são usadas em letras tombadas e muito manuais pequenas tiradas, arrancadas dos contextos, que pululam de beleza interior.
Resumem tudo aquilo que os responsáveis por estas maldades sabem dos autores que vão ilustrando e ajustam-se - e confinam-se - a recortes do que parece adequado à ocasião pindérica e normalmente banal que tentam traduzir com elevados cogitares. Os grandes pensadores da humanidade dedicaram um tempinho e um cantito do cérebro às quezílias das comadres e percalços dos compadres, substituindo tudo o que estes usurários de triciclos emproados não são capazes de urdir ou pedalar, pelas palavras que foram por eles ditas na avalanche genial de páginas que foram por eles calcorreadas. Há sempre um pedacinho - um lancezito, um pedalzinho, um niquinho de caminho -, que pode ser aproveitado para desancar o parceiro que não fez um like nas fotos do aniversário do petiz, mostrando-se ao mesmo tempo que se é conhecedor e estudioso dos pobres pensadores.
Os autores mais citados, segundo um exaustivo estudo desta rapariga incansável, são Dali Lama, Oscar Wilde e Nietzsche.
O primeiro, porque é um fofo - embora mal
vestido - e faz realçar as nossas vivências nobres, pacíficas, de
grande beleza
interior, a nossa tendência para a meditação, para o nosso
profundo desejo de abdicar de terrenos anseios e pecaminosos desejos, a nossa
capacidade profunda de olharmos o profundo capaz de elevação, solidariedade, de
purificação e de glorificação da alma que já foi pedra e será, por ventura e
encarnação futura, aquilo que usualmente parecem os que usam o senhor tibetano
como arma de arremesso: um ratito que rouba a rolha da garrafa do rei da
Prússia.
Acompanhadas por imagens de velinhas ou de incenso, as tiradas são sempre uma bofetada de transcendência no nosso espírito vácuo, embora possuído por Maquiavel.
O segundo, porque é absolutamente dandy o uso da
ironia e do spleen alheios.
É sempre adequada, seja em que
circunstância for, a seta que se dispara com o arco do autor e nem sequer
precisamos de usar a cartola da discriminação ou sentir ou conhecer a humilhação
a que foi sujeita a coragem e a ousadia do maravilhoso amante de Bosie e o seu
torpor niilista.
Não lendo Teleny, não é necessário entender o reverso da medalha. A ácida mordacidade e a capacidade destrutiva da ironia de Oscar Wilde, quando emolduradas por um friso de florinhas negras sobre fundo sépia, é perfeitamente capaz de ajudar a fustigar os outros que não agradam à nossa bonita maneira de ser.
Finalmente Nietzsche.
É assustadora a quantidade de gente que
acredita ser a reencarnação de Lou Andreas-Salomé e que pode transformar um
imponente bigode no veículo das suas alfinetadas bacocas e, no entanto, é
simultaneamente compreensível - salvaguardando-se a distância que se exige, por
demais evidente, e numa aproximação muito infeliz -, tendo em consideração o
que os nazis fizeram ao seu pensamento, adequando-o e manipulando-o de modo a
que fosse passível de usar como esteio da hecatombe. Nietzsche é muito dado a
estas perdições.
O uso de pedacinhos soltos de Nietzsche, em
letras brancas garrafais sobre rectângulos negros com a sua esfinge apensa, é
apenas o reconhecer da dimensão do desconhecimento da brutalidade imensa da
força filosófica do pensador e é um dos motivos para se sentir vergonha alheia.
A Gaffe, depois de se esbardalhar contra tantos
recortes de mimoso corte destes três potentados, acaba por humildemente colar
num quadradinho com lacinhos e fitinhas cor-de-rosa, sustentadas por ursinhos
de peluche, a frase lapidar da Filosofia Primordial, com raízes no Húmus
Primário, na Origem e nos ramos transversais a todo o pensamento humano:
Ide
todos bardamerda.