O dia de Natal foi ligeiramente mais santo do que o habitual. O tio-avô da Gaffe, irmão velhíssimo da mãe da sua mãe, franciscano, antiquíssimo, consultor de cardeais, teólogo, filósofo, Provincial da Ordem durante décadas e um dos maiores latinistas da Península, veio de Salamanca, duzentos anos depois de ter partido, visitar a família.
O sábio ancião é a personificação da bondade, da paz, da suavidade e da tolerância.
Chegou de hábito vestido, sem o mínimo vestígio de desconforto, apesar daquelas dobras e pregas de tecido castanho rude.
Para o almoço mudou-se e apareceu de fato preto gasto e roído nos punhos, mas inexplicavelmente elegante.
Foi adorável durante todo a refeição, mas somos sempre obrigadas a confessar que discussões acerca de traduções de clássicos latinos não são o forte desta rapariga.
Decidiu passear-se e arrastar consigo o irmão.
Entrou, para abrir todas as portadas, no quarto de hóspedes - com a melhor varanda da casa -, destinado ao douto senhor, no andar de cima.
Sobre a cama, impecavelmente estendido, o hábito repousava. Pregas rigorosamente dobradas, escapulário ao comprido, cordas cruzadas, capuz rígido ao lado.
Não resistiu. Obrigou o irmão a vesti-lo e teve na frente o mais sensual, o mais atraente, o mais excitante e o mais pecaminoso dos frades franciscanos de toda a história da Igreja.
O hábito pode não fazer o monge, mas há homens que dentro dele fazem o convento parecer um opiário.