15/12/2013
Norman Rockwell |
O quartel-general é, este ano, em casa da minha avó
onde chegamos ontem à noite.
O Natal já escacou o sentido estético da minha
prima colocando nas portas deprimentes coroas de bolas de plástico
vermelho e laçarotes escarlates que prendem azevinho falso.
A rapariga chegou ao início da manhã de ontem, no seu melhor estilo
hollywoodesco, juntamente com a mãe que ganhou o privilégio de reconhecer
apenas o Natal que bem entende e se recusa a olhar para os arranjos.
O restante exército depois, pela calada da tarde.
O meu querido irmão, o meu reforço principal, tarda a
aparecer!
De Paris aqui há um penoso e tortuoso caminho a palmilhar, aviões comboios,
autocarros, triciclos, carrinhos de choque, bicicletas, tartarugas, trotinetes,
camiões, patins e sabem os deuses o que mais terá de ser apanhado para
aqui chegar, sobretudo para quem se recusa a conduzir.
Encaixo a minha mais ingénua, cândida, amável e pacífica figura, mas sinto-me
como se tivesse encarnado uma das mais psicóticas figuras de Almodóvar e
começo a ficar com a alma assustadoramente parecida com o realizador.
E eles começam a chegar.
Toda a tarde de ontem se ouviu bater portas de carros e como um bando de
pardais à solta se viu esvoaçar a mais diversificada comandita de exemplares
que se vão reunindo para o debicar das iguarias do Natal no Douro.
E há de tudo.
Yuppies ressequidos e recessos, damas de copas com espada à cinta, dois
adolescentes que resplandecem ruivos, boémios a tresandar a whisky e a tabaco,
artistas plásticos de plástico e vinil, cantoras de ópera de barrocos palcos,
velhos tão velhos que a velhice é velha, doentes de Molière e saudáveis que
tossem mesmo as lágrimas, arrastados sotaques e pronúncias, meninas tontas a
espirrar hormonas, lunáticos repletos de luar nos olhos, um Chihuahua
à beira de um ataque de nervos, soutiens de farpas, barbatanas de
baleia, um homem que ri que ninguém conhece, uma dona Elvira e um calhambeque,
um frade, um mendigo e dois magnatas e mais o que não digo porque já me perco.
E a minha prima a acordar as hostes com um estrondoso e
rodopiado karaoke. Mariah Carey de pijama à solta esbaforido e
uma jarra minúscula de cristal por microfone:
... And all I want for X-mas is...YOU!
O Natal é também esta espera que faz tilintar todos os
sininhos que de súbito se descobre haver no coração e em cada um deles perceber
que existe no Natal que chega a magnífica hipótese de voltarmos a nascer e a
certeza límpida e impoluta de que podemos em cada renascer encontrar por todo o
lado aqueles pedacinhos frágeis de Felicidade que se unem e que se chamam Vida.