9.12.21

A Gaffe no lado sinistro do Natal

Haddon Sundblom

O mais assustador da época de Natal não é a visita dos vizinhos que custe o que custar acham por bem vir desejar-nos Boas Festas, mesmo quando não sabíamos que o pecado morava ao lado. São uns queridos, embora nos façam duvidar se é aconselhável trazer com eles o cão e as crianças. O que arrepia é a quantidade vezes que a Gaffe lê e ouve:

- Um desfile de Pais Natal nus em solidariedade com a TAP;

- Concentração de Pais Natal junto à cadeia de Évora;

- Manifestação de Pais Natal em protesto contra a exploração das renas;

- … Pais Natal por todo o lado.

Meus amores, Pais Natal não existe, pese embora o que nos é dado deles ler na televisão.

O único Pai Natal admissível é o velhote simpático e bonacheirão que pertence ao imaginário infantil com a bênção da Coca-Cola. Pais Natal é apenas o que se poderá chamar uma calinada do arco-da-velha. Se nos referimos aos aglomerados de rapazes enfiados numa fatiota vermelha de fibra ranhosa, comprada numa loja chinesa, com pedaços de algodão a descolar na cara e barrete de forcado, convém chamar-lhes pais natais e sobretudo não esbardalhar cópias nas janelas.    

Uma das mais arrepiantes imagens do Natal é esta última. Pais natais que se cravam nas varandas como se tivessem sido cuspidos do trenó numa curva mais apertada e estatelado contra os ferros forjados das nossas noites de Inverno, ou então versões do Chucky que procuram assolar os nossos sonhos natalícios durante semanas a fio. São pais natais secos, mirrados, desossados e torcidos, anões que oscilam ao vento e pingam encharcados numa eterna incapacidade de dobrar o parapeito. Não são bonitos, arrepiam e assustam. São substituídos, às vezes, por quadrados de pano vermelho com o Menino Jesus estampado. É igualmente sinistro, mas pelo menos deixamos de nos sentir assustadas sabendo que há uma coisa antropomórfica a tentar entrar no nosso quarto.

Pendurar na varanda um bacalhau seria igualmente imbecil, mas preferível. Teríamos um demolhar mais ecológico.

Outro apontamento a repensar nesta época é a mania de se atirar com um único fio raquítico de luzinhas de Natal para cima de uma árvore digna e frondosa e pensar que ficou gira. A pobre acaba a parecer que usa fio dental comprado numa qualquer sex-shop manhosa. O crime só tem compincha quando se preenche o arbusto da entrada com a colecção completa de luzinhas dos OVNIS que o dono da casa costuma avistar. É um piscar incessante e nervoso capaz de provocar ataques epilépticos a qualquer transeunte menos prevenido e absolutamente stressante para a ramagem que não vê chegar o fim da tortura, porque existem ainda os escuteiros.

Os presépios dos escuteiros crescem desalmadamente. Qualquer jardinzito público viçoso é pasto para estas criaturas capazes de transformar nesta época um relvado bem tratado numa pasta empapada e enlameada onde enterram muitos paus, com muitos nós e muita tela, muitos troncos, muita palha e muita corda. O presépio fica sempre parecido com uma tenda dos Sioux depois de uma carga de pioneiros americanos e o jardim com as hostes de Custer após a tareia de Touro Sentado. É aconselhável que durante o Natal não se permita que estes rapazes saiam dos bosques onde vão acender lareiras e cozinhar coisas simples. Em alternativa poderemos sempre obrigá-los a cantar o Jingle bells enfiados na neve até que os bells deles deixem de tocar.

A estes pequenos contratempos natalícios, a Gaffe acrescenta que, cedo ou tarde, se vai esbardalhar contra os miúdos do coro de Santo Amaro de Oeiras

A toooodos um bom NataaaaAAAAALLLL

A toooodos um bom NataaaaaAAAaaaL

mas acredita que, depois de ter enfrentado o referido, os encarará com uma atitude já muito Lexotan.