| George Tooker |
No passado dia 17 de Dezembro um homem de 59 anos tentou matar a mãe, de 96, com um cocktail de medicamento, depois à facada e por fim por estrangulamento. A senhora tinha-se recusado a passar o Natal em casa de um outro filho surgido do nada.
Quando pensava que a idosa já estava morte, subiu ao terraço do prédio onde ambos residiam, na Maia, e atirou-se de um quinto andar.
O filho morreu, a nonagenária sobreviveu e está livre de perigo.
Viviam ambos num andar do rés-do chão. A senhora necessitava de auxílio permanente do filho desempregado que lhe garantia as refeições, os medicamentos, a higiene pessoa e tudo o mais que não se sabe dizer por ser tão trágico, durante anos e anos e anos a fio, sem descanso, sem férias, sem intervalos, sem esperança, sozinho e sem qualquer apoio das entidades oficiais, institucionais, governamentais a que recorreu insistentemente durante dez anos.
O homem permaneceu no telhado durante uma hora – durante uma hora. Deuses! durante um hora sozinho com a morte num telhado de um quinto andar! - antes de se atirar e morrer no embate com o solo. A mãe que nunca quis realmente matar – se o quisesse, os 96 anos e a grave dependência facilitariam o crime – sobreviveu.
A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais – quem ocupa o trono da presidência não se pronunciou -, ironicamente chamada Maria dos Anjos, Maria do Anjos Catapirra, defende que a pandemia – a tão oportuna e ilibadora pandemia - agravou os problemas e a falta de apoio estatal torna-os fatais, empurrando os cuidadores para o burnout e para os telhados de um qualquer quinto andar.
A Catapirra não se demite, não pega na voz e não desata a denunciar publicamente tudo o que não a faz levantar o cu da cadeira, como é uso dizer-se pelas bandas dos velhos.
É evidente que nem a Catapirra, nem o Estado, podem ser acusados de homicídio por negligência, ou mesmo por incitamento ao suicídio. Seria desagradavelmente inútil e talvez penosamente injusto, mas tenho de confessar que não me importava que esta tragédia em carne viva, assombrasse e destruísse o Natal da Catapirra e que o cadáver deste homem ruísse de cinco em cinco minutos na mesa de consoada dos senhores que legislam e zelam pelo bem-estar dos cuidadores informais.
Na minha mesa vai tombar. Tenho a certeza.