30.4.22

A Gaffe violenta

colaboracionistas - por Constance Stuart Larrabee
Não existem escalas ou patamares para que possamos classificar a barbárie.

É desumano ousar dizer que determinado acto é passível de se considerar dentro da normalidade quando está imbuído de violência.

Encontrar espaços onde a selvajaria é susceptível de ser aceite como regular, por considerarmos ser menor do que aquela que observamos ou imaginamos um dia, é permitir a existência de um apodrecido sedimento de maldade sob os nossos pés e aceitar que desse chão se possa fazer caminho e que desse movediço solo se erga uma destruição maior, para só então condenar aquela a que assistimos.

Quando da queda dos nazis, a França rejubilou liberta.

A barbárie tinha sido vencida.

No entanto, os franceses precisaram de um período de crueldade imensa para travarem a destruição das almas e dos corpos a que tinham assistido, como se o avanço do horror os tivesse contagiado, beneficiando de um tempo de travagem gigantesco, e que nesse estancar lento do medonho fosse tido como normal, aceitável, a continuação do inferno.

 Depois da Guerra, os franceses torturaram franceses. Traíram franceses. Denunciaram franceses. Enforcaram franceses. Fuzilaram franceses. Aqueles que foram considerados, justamente ou não, colaboracionistas foram alvo da fúria ensandecida e vingativa dos que foram vítimas. 

Montelimar, França - civis franceses castigam uma mulher por envolvimento com um alemão
Interessam-me as mulheres, só as mulheres, neste momento. Não todas. Ignoro, por exemplo, Chanel que se ficou pelas mãos dadas a altas patentes nazis e, mesmo assim, alegadamente, que Chanel continuou a ser cara.

Olho apenas as que nas ruas e nos ermos franceses ocupados tentavam sobreviver, ou aquelas que amaram homens errados, militares rasos inimigos, camponeses e operários transformados em raça armada e eleita, sem sequer entenderem o sentido da morte que os convenceram a carregar e a entranhar e que os transformou em assassinos.

Olho as que foram despidas e humilhadas publicamente. Espancadas por túneis de gente por onde eram obrigadas a passar. Raparam-lhes a cabeça. Foram proscritas. Amaldiçoadas.

 A brutalidade desumana exercida sobre estas francesas, por franceses, não pode ser nunca ser minimizada por ter sido consequência de outra. Não é menor e também não é maior, não é igual, nem diferente, que a perpetrada anteriormente ou a que nos permitimos imaginar no futuro. Não tem - nunca teve, nem terá -, termo de comparação. Ergue-se sozinha no meio das gentes e é absolutamente ímpar em cada instante, exclusiva e excepcional na destruição que provoca.

Não há uma violência dentro do normal e se existem acórdãos, leis, julgados, julgamentos, recursos e sentenças que contrariam este postulado, é porque quem os escreve, fideliza ou a eles se vincula, é também gente capaz de rapar o cabelo a mulheres, de as despir, de as humilhar publicamente e de as fazer espancar em túneis de ódio, justificando esta barbárie com a mentira que lhe diz que há sempre outra maior.