30.7.22

A Gaffe caminhante

Daniel Serva
Há uma grande probabilidade dos presidentes dos Estados Unidos morrerem podres num rancho qualquer na Califórnia ou no Texas. Isto, claro, se ninguém se lembrar de os assassinar primeiro no meio da peça ou no centro da avenida.

É certo e sabido.

A morte de G. Ford - no seu rancho californiano, evidentemente -, e as passeatas que por aqui faço com a minha avó, recordaram-me, não o famigerado e infeliz presidente que sofreu a desgraça de substituir o escabroso Nixon e padecer do fracasso vietnamita, mas - sofra-se a confusa miscelânea presidencial -, Mrs. Nancy Reagan.

Uma mulher nunca é demasiado magra.

Esta máxima, elaborada pela cowgirl que casou com o homem que achava que as árvores eram causadoras de danos ambientais, pode ser considerada pretexto para os gigantescos passeios de início de Primavera com que, pela tarde de fim-de-semana, eu e a minha avó queimamos calorias.

Esguia, delicada, delgada e subtil, a minha avó jamais poderá amaldiçoar as suas inexistentes gorduras, flácidas rotundidades ou circular corpulência, mas a fogueira que insiste em atear nestes passeios tem como único objectivo o calor cúmplice, exclusivo, que se cria entre ambas.
Diz-mo enquanto encosto a cabeça ao seu braço, pendurado nele que me envolve.

Descubro que há diversos e distintos modos das pessoas que mais amo caminharem comigo.

Prendo o meu corpo à minha avó como serena trepadeira, mimada, terna e doce, com a certeza de que o muro é bem sólido e que posso deixar que as folhas se espraiem sem medo ou queixume.
A minha mãe, namoriscando, tomba presa no meu pulso, como uma breve e minúscula pulseira de oiro batida pelo sol.
O meu pai caminha comigo como se eu fosse um alfinete de gravata: dispensável, mas que se quer mostrar, porque se ama.
A minha irmã leva-me com ela, mas nunca vem comigo.
A minha prima pendura no meu braço o seu corrosivo humor, a sua indomável inquietude e a sua irresistível obstinação e rebeldia e transforma-se na mais aventurosa das cúmplices, na mais destemida aliada. 
O meu irmão é bem maior que eu. Caminha comigo e sei sempre onde piso. É como ter um mapa e uma bússola, sextante e astrolábio. Sabemos onde fica a estrela certa.

Mas só o meu avô sabia caminhar sorrindo devagar toda a jornada.