Tomasz Jedruszek |
Segurou Afonso Cruz - não propriamente o rapagão, mas apenas uma das obras, infelizmente -, fechou as janelas, as luzes e, depois dos rituais do costume, entra no quarto almejado.
Subitamente sente o coração estilhaçar-se aos pés.
Pelo ar esvoaça um bicho!
Um pássaro, um avião, o super-homem?!
Um pássaro não é certamente que o pássaro não bate assim nas persianas fechadas, um avião seria politicamente incorrecto e a Gaffe não costuma ter a visita nocturna do super-homem – mais uma vez, para infelicidade sua.
De luz ligada percebe, para seu horror, que o monstro não sendo o Batman - a Gaffe decididamente é infeliz! - é uma miniatura sem qualquer nocturna ambição super heróica.
Um morcego!
Uma rapariga sozinha com um Bruce Wayne de pacotilha no quarto, ou desata aos gritos provocando, àquela hora, interpretações maldosas e muito pouco dignificantes dos vizinhos ou lembra-se de Afonso Cruz que lhe sussurra que um herói é o que não teve tempo de fugir.
A Gaffe não tem sequer forças para se descolar da esquina do quarto, logo atrás da porta, ficando desta forma muito limitada e com o tempo de fuga demasiado apertado, sem muitas hipóteses de continuar a ser cobarde - aquele que teve a coragem de fugir.
Resoluta, decide escapar-se e assumir que uma rapariga é sempre wagneriana quando quer.
Corre para a sala, embrulha-se na manta de Verão estatelada no sofá e quase de gatas entra no quarto, dirige-se à janela e abre as persianas que sendo eléctricas não a obrigam a permanecer de pé e volta em mísero estado a escapulir-se.
Espreita segundos depois.
O mostro continua a apavorá-la, a esvoaçar de lado para lado, de lado para lado, de lado para lado!
A Gaffe, concentradíssima naquele heroísmo todo, tinha-se esquecido de subir a porcaria do blackout.
Volta a embrulhar-se na manta, volta a empurrar a porta, volta a gatinhar, volta a provar que uma rapariga sozinha é uma catástrofe com um morcego no quarto e finalmente assume e prova, para gáudio dos seus comentadores anónimos, que lhe falta um homem.
Tudo no ar, tudo subido, a Gaffe quase a morrer de medo, volta à base, ou seja, à sala onde tudo está tão iluminado como os dentes de Paulo Portas e só não desata a comer gelados para disfarçar o nervoso e fazer pendant com o cérebro, porque se sente a petrificar e receia que lhe salte outro Batman de treta de dentro do frigorífico.
Minutos depois, e depois de ter finalmente compreendido a relação espaço/tempo e toda a Teoria da Relatividade, a Gaffe decide espreitar o antro conspurcado.
Não há lodo no cais. O bicharoco tinha desaparecido.
A Gaffe procura dentro dos armários – da casa toda! – mais ratos com asas e, depois de inspeccionar todas as sanitas, decide finalmente deitar-se e passar a noite em claro, só para contrastar com o acontecido.