8.8.22

A Gaffe corajosa

Tomasz Jedruszek
Estava a Gaffe esbardalhada no sofá, depois de ter visto o último episódio da sua série favorita, quando decidiu recolher a languidez nos lençóis fresquinhos dos seus aposentos.

Segurou Afonso Cruz - não propriamente o rapagão, mas apenas uma das obras, infelizmente -, fechou as janelas, as luzes e, depois dos rituais do costume, entra no quarto almejado.

Subitamente sente o coração estilhaçar-se aos pés.

Pelo ar esvoaça um bicho!

Um pássaro, um avião, o super-homem?!

Um pássaro não é certamente que o pássaro não bate assim nas persianas fechadas, um avião seria politicamente incorrecto e a Gaffe não costuma ter a visita nocturna do super-homem – mais uma vez, para infelicidade sua.  

De luz ligada percebe, para seu horror, que o monstro não sendo o Batman - a Gaffe decididamente é infeliz! - é uma miniatura sem qualquer nocturna ambição super heróica.  

Um morcego!

A Gaffe tem pavor dos morcegos desde que lhe disseram que os mostrengos tocando nos cabelos de alguém neles se ensarilham, não sendo possível retirar estas abominações sem ajuda de profissionais. Tendo em conta que a profissão de extractor de morcegos dos cabelo das pessoas não é muito vulgar, a Gaffe prefere entrar em pânico.

Uma rapariga sozinha com um Bruce Wayne de pacotilha no quarto, ou desata aos gritos provocando, àquela hora, interpretações maldosas e muito pouco dignificantes dos vizinhos ou lembra-se de Afonso Cruz que lhe sussurra que um herói é o que não teve tempo de fugir.

A Gaffe não tem sequer forças para se descolar da esquina do quarto, logo atrás da porta, ficando desta forma muito limitada e com o tempo de fuga demasiado apertado, sem muitas hipóteses de continuar a ser cobarde - aquele que teve a coragem de fugir.

Resoluta, decide escapar-se e assumir que uma rapariga é sempre wagneriana quando quer.

Corre para a sala, embrulha-se na manta de Verão estatelada no sofá e quase de gatas entra no quarto, dirige-se à janela e abre as persianas que sendo eléctricas não a obrigam a permanecer de pé e volta em mísero estado a escapulir-se.

Espreita segundos depois.

O mostro continua a apavorá-la, a esvoaçar de lado para lado, de lado para lado, de lado para lado!

A Gaffe, concentradíssima naquele heroísmo todo, tinha-se esquecido de subir a porcaria do blackout.

Volta a embrulhar-se na manta, volta a empurrar a porta, volta a gatinhar, volta a provar que uma rapariga sozinha é uma catástrofe com um morcego no quarto e finalmente assume e prova, para gáudio dos seus comentadores anónimos, que lhe falta um homem.

Tudo no ar, tudo subido, a Gaffe quase a morrer de medo, volta à base, ou seja, à sala onde tudo está tão iluminado como os dentes de Paulo Portas e só não desata a comer gelados para disfarçar o nervoso e fazer pendant com o cérebro, porque se sente a petrificar e receia que lhe salte outro Batman de treta de dentro do frigorífico.   

Minutos depois, e depois de ter finalmente compreendido a relação espaço/tempo e toda a Teoria da Relatividade, a Gaffe decide espreitar o antro conspurcado.

Não há lodo no cais. O bicharoco tinha desaparecido.

A Gaffe procura dentro dos armários – da casa toda! – mais ratos com asas e, depois de inspeccionar todas as sanitas, decide finalmente deitar-se e passar a noite em claro, só para contrastar com o acontecido.