31.1.23

A Gaffe de corpo inteiro


A minha irmã vive num apartamento amplo e luminoso que os mais ilustres podem, num vislumbre, considerar minimalista. No entanto, a ausência quase total de objectos não se relaciona com qualquer opção estética. A minha irmã compra, porque o escolhido se lhe afigura de importância capital para o seu conceito de conforto que inclui o inquieto, o que impede o desarmar da vontade ou o impulso criativo.

As paredes derrubadas deram primazia à luz branca, asséptica, metálica, que gela os corpos e entrega aos móveis, cuja existência se deve ao facto de nenhum poder ser movido, a geometria da perenidade. Há tarefas definidas para cada um dos objectos e porque a única preocupação na compra é a função que cada um tem de exercer, todos são limpos e puros como as obras-de-arte.

Parece frio, incomplacente e demasiado branco. Um espaço de racional inflexibilidade. Mais pragmático do que minimal. A minha irmã suporta mal a cor à sua volta. Admite breves tons de cinza, muitas vezes chumbo, muitas vezes quase nada, o preto, o metal, mas recusa frequentemente outras paletas.

Sempre me pareceu um apartamento vazio - provavelmente pelas ausências longas e frequentes da dona -, como se estivesse eternamente à espera do habitante, até ter encontrado ontem, numa moldura lisa e perfeita, uma fotografia minha, a chispar de cores e riso aberto, grande e de corpo inteiro.